terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Tretas do não

Os pró-prisão andam doidos a atirar cuspo para o ar, a ver se conseguem confundir as pessoas o suficiente para as levar a ficar em casa ou a votar não. São tantas as tretas, as mentiras, as manipulações, as grandes e pequenas canalhices que o estômago, ao ouvi-los, dá um nó e trepa exófago acima até à garganta.

Estas são algumas:

"O sim significa aborto livre"

MENTIRA. O sim significa aborto restringido. Restringido às primeiras 10 semanas de gravidez, logo proibido às 20 ou às 30. Restringido a ser essa a vontade da mulher e não do padre, do patrão ou do violador. Restringido a ser realizado em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, logo proibido em talhos, vãos de escada, à beira da estrada ou na sacristia.

"O sim significa mais aborto"

MENTIRA. Ninguém sabe nem pode saber a priori se o número de abortos irá aumentar, ficar igual ou baixar. Depende de demasiadas coisas. Depende da forma como o sistema for montado, depende da regulamentação da lei que for aprovada na AR, depende de se poder ou não, finalmente, pôr em prática a educação sexual nas escolas, depende de haver, ou não, aconselhamento prévio à interrupção (que com o aborto clandestino não existe), etc., etc. E etc. O que se pode dizer com toda a segurança é, isso sim, que o sim significa menos aborto realizado em condições medievais, com as consequências óbvias que isso tem quanto à mortalidade feminina e a problemas de saúde graves que os abortos clandestinos provocam.

"Com o não pode-se despenalizar depois"

MENTIRA. Ao responder não à pergunta do referendo está-se a dizer que não se quer despenalizar, e se essa resposta for vinculativa, isto é, se houver mais de 50% de participação, a AR não pode despenalizar sem violar grosseiramente a vontade do eleitorado, o que tem consequências óbvias quanto à validade e relevância de futuros referendos. Julgo até mesmo que se a AR tentasse aprovar uma lei que desrespeitasse o resultado de um referendo vinculativo, essa lei seria travada pelo tribunal constitucional.

Já para não falar do que aconteceu depois do último referendo. Houve palavras e mais palavras e mais palavras e o que foi realmente feito foi quase nada. Palavras? A essas, meus caros, leva-as o vento. E com grande frequência para bem longe

"Esta lei não prende ninguém"

MENTIRA. Há pessoas condenadas a penas de prisão que só por acaso (ou por uma interpretação benévola da lei por parte dos juízes que nada garante que se prolongue) não é prisão efetiva. E mais: um julgamento e uma condenação, mais do que uma humilhação e uma devassa da vida de uma pessoa, é algo que fica para toda a vida. Um julgamento e uma condenação fica no cadastro de quem é julgado e condenado, e um cadastro conspurcado por uma condenação tem consequências várias, e todas negativas, para o resto da vida.

"Há um consenso em que a vida humana começa na conceção"

MENTIRA. Não há consenso nenhum. Há quem pense que a vida humana, com tudo o que isso implica, começa na conceção, e há quem pense que não, que no momento da conceção a única coisa que acontece é a junção de duas células humanas para formar uma outra célula humana, que está viva é humana da mesma forma que uma célula de fígado, pele ou intestino está viva e é humana. Há quem ache que essa célula que se forma no momento da conceção deve ter direito a toda a proteção que qualquer um de nós tem, e há quem julgue que não tem direito a mais proteção do que uma célula de fígado, pele ou intestino. Há quem tenha a certeza de que no zigoto existe já toda a humanidade possível e há quem tenha igual certeza de que no zigoto nada há além de um potencial de humanidade que se irá gradualmente concretizando ao longo da gravidez. Mais: ambas as visões são inteiramente defensáveis à luz do conhecimento científico corrente.

E é precisamente por não haver consenso nenhum que o voto "não" implica a imposição totalitária e intolerante de uma visão sobre outra. é tão aberrante criminalizar quem faz um aborto, revestido da absoluta certeza de que não está a cometer nada que se pareça ainda que remotamente com um homicídio por o feto não ser um ser humano, como seria criminalizar quem não o faz por ter as certezas inversas.

E muitas mais haveria, todas tão rebatíveis como estas. Mas basta, que este assunto me deixa mal disposto. Se querem mais disto, vão ao blogue dedicado ao assunto.

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