terça-feira, 25 de agosto de 2009

Lido: Os Balões de Fogo

Às vezes, os escritores têm necessidade de escrever histórias que lhes servem fundamentalmente para exorcizar demónios, ou refletir sobre algo que os perturba. Há mesmo autores cuja obra se resume a isso, e há um certo público que acredita que só nessas histórias se encontra a verdadeira natureza da arte, porque só elas são realmente genuínas. Não partilho dessa opinião. Acho que pode encontrar-se arte e algo de genuíno até naquilo que à primeira vista mais se assemelha a plástico literário. Mas fiquemos por aqui, senão isto irá prolongar-se e eu não tenho tempo.

Vem esta espécie de intróito a propósito de Os Balões de Fogo (bib.), de Ray Bradbury. Trata-se de uma história, passada em Marte, na qual um grupo de padres católicos liderados por um sonhador de vistas largas parte para Marte em missão missionária. Lá chegados, deparam-se com globos de fogo azul que mostram não só estar vivos, como possuir mesmo um comportamento inteligente. O conto parece ser precisamente um desses casos de história muito íntima, usada pelo autor para refletir sobre algo de importante para ele. Nela, Bradbury examina a teologia do caráter divino das imagens cristãs, essencialmente o crucifixo e as representações de Cristo. É uma reflexão que poderá ser muito interessante para quem tem preocupações semelhantes mas que se torna francamente aborrecida para aqueles de nós que consideram a teologia, toda ela, um enorme castelo de cartas assente em coisa nenhuma. E devido ao caráter reflexivo (e vagamente missionário, até) do texto, a própria história, a sua qualidade, o seu ritmo, também sofre.

Sempre achei que esta história era um corpo estranho neste livro. Afinal, só aqui surgem os tais balões de fogo, não é algo que seja coerente com o resto do ambiente marciano desenhado nas outras histórias, mesmo apesar da explicação que ela contém para os globos azuis. Mas só agora, relendo o livro como um conjunto de histórias separadas e não como um romance, descubro que é a própria história que me desagrada. Só se safa a literatura, o tratamento do texto. Nisso, pelo menos, Bradbury é igual a si próprio.

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