A Época Baixa (bib.) é um conto melancólico de Ray Bradbury que recupera uma personagem de um dos contos anteriores do mesmo livro (o que é raro acontecer), um tal Sam Parkhill, e o mostra três anos mais tarde, entusiasmadíssimo com a abertura próxima de uma barraca de cachorros quentes num sítio que acha genialmente bem situado, já a sentir o sabor dos dólares que lhe vão fazer inchar, acha ele, a conta bancária. Mas as coisas começam a correr mal quando um dos poucos marcianos que restam no planeta lhe aparece no estabelecimento e ele o mata, duma forma parcialmente acidental.
É um conto sublimemente bem escrito e quase insuportavelmente americano. Parkhill é a encarnação do espírito de fronteira, o cowboy que acha que tem o direito de fazer o que muito bem entende, onde muito bem entende, destruindo no processo o que lhe apetecer destruir, e os outros que se lixem. Os marcianos funcionam como índios, montados não em mustangs, mas em "barcos de areia". A mulher é assim como que uma espécie de consciência, mas uma consciência passiva, que se deixa ir, soprada pelo pé de vento que o marido gera e se resume a uma crítica, as mais das vezes muda, sem nada realmente fazer. Ela sabe que no pano de fundo duma guerra terrestre que Parkhill desconhece, toda a sua atividade é inútil, todos os seus sonhos são descabidos. Mas deixa-se estar de braços cruzados, a observar, desfazendo-se no fim em sarcasmo.
Não é um dos grandes clássicos que o livro contém, mas é o verdadeiro início do murro no estômago que ele dá aos leitores no fim. E esse murro é aquilo que leva o livro a ser o que é.
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