O Anibaleitor é uma curta novela de Rui Zink que acompanha as desventuras e o crescimento de um jovem aventureiro e ignorante, o qual, depois de se ver obrigado a embracar por causa de uns mal-entendidos com a polícia (mal-entendidos nenhuns; o puto era larápio), vem a descobrir que o navio em que se engaja tem um comandante enlouquecido, à Ahab, o qual tem por único objetivo na vida a captura de um estranho animal gigantesco e mitológico, que ele afirma a pés juntos que existe, e que se chama "anibaleitor".
Depois não há propriamente o naufrágio das histórias de aventuras, mas o protagonista é atirado ao mar por uma onda enorme e claro que vai mesmo encontrar o tal anibaleitor, que se vem a revelar um gorila gigantesco, falante, sem paciência para parvoíces e amante da literatura que obtém dos livros que vão dando à costa na sua ilha.
A partir daí, a história transforma-se num hino à leitura e à literatura, numa autêntica aula sobre o que significa ler, a sua utilidade, qual a relação que existe entre o escritor, o que ele escreve e o que o leitor vai ler, a subjetividade inerente ao ato de leitura e o que é, de facto, a qualidade. Uma aula a que muita gente muito senhora do seu nariz, que anda por aí a debitar disparates sobre estas coisas, teria toda a urgência em assistir. Tudo muito cheio de referências, claro, começando pelo próprio Anibaleitor, que é uma versão muito zinkiana do King Kong.
À semelhança de Firmin, aqui comentado há um par de meses, é mais um livro que se socorre do fantástico para tecer comentários sobre a sociedade em que vivemos e, também como em Firmin, fá-lo através da relação entre a nossa sociedade e os homens que a constituem, por um lado, e os livros pelo outro. Ainda como em Firmin, está também aqui tratado o tema da aceitação da diferença ou da intolerância para com ela. Mas as semelhanças acabam aí. O livro de Zink é mais divertido e menos melancólico, apesar de também ter a sua dose de melancolia, em especial na visão do mundo que o Anibaleitor tem (bastante cínica, e quem pode censurá-lo?) e no desenlace da história.
Tudo somado, gostei bastante. Não é nenhuma obra-prima, tem um tipo de humor que nem sempre ressoa bem com o meu mas que quando ressoa chega a ser capaz de me pôr a gargalhar. Além disso tem conteúdo, e um conteúdo francamente interessante, o que nem sempre acontece. E lê-se duma penada, com a fluidez e limpidez dum riacho de montanha. Recomendo.
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