quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lido: Firmin

Firmin (bib.) é um romance do escritor americano Sam Savage. Firmin é, também, o nome do protagonista desse romance. Firmin é, ainda, uma ratazana.

Sim, trata-se de um romance protagonizado por uma ratazana e mais: trata-se também de um romance narrado por uma ratazana, pois está escrito na primeira pessoa. Mas não é uma ratazana qualquer. É uma ratazana bibliófila e, ocasionalmente, bibliófaga, que nasceu e viveu a vida toda num velho edifício em cujo andar térreo funciona um alfarrabista. E é essa contingência da existência que vai solidificar na ratazana protagonista um amor pelos livros (e também, até certo ponto, pelo cinema, pois no mesmo bairro há também um velho, gasto e porco cinema onde a ratazana vai alimentar-se) que nada fica a dever a qualquer de nós, os macacos bípedes que normalmente os lemos.

A história acompanha toda a vida de Firmin e, através dela, a decadência final do bairro, condenado para ceder lugar a grandes investimentos imobiliários. E em parte também a decadência de uma certa forma de relacionamento quer entre as pessoas e a cidade, quer entre as pessoas e a palavra escrita e os locais a ela consagrados na cidade. É também uma história de paixões, pois é de paixão em paixão que a nossa ratazana vai vivendo a sua vida. Primeiro pelos livros, depois pelo dono da livraria, mais tarde por um escritor de ficção científica que mora por cima da livraria e sobrevive vendendo ele próprio os livros que escreve e publica em edições de autor, e assim sucessivamente. E é uma história sobre a diferença e a solidão, porque a ratazana, com os seus modos de rato sábio, vai tornar-se estranha para a sociedade das ratazanas, mas não vai nunca conseguir ser aceite pelos seus irmãos de espírito humanos pelo facto inalterável de ser uma ratazana.

E é isto o que o livro tem de melhor: esta multiplicidade de camadas e de temas.

Basta isso para me parecer ser um bom livro, embora nem tenha gostado muito dele. O estilo de Savage não me enche propriamente as medidas, e parece-me, aqui e ali, que o ritmo narrativo fraqueja um pouco. Nada de grave, e embora não tenha gostado assim muito, gostei desta leitura. Não acho o livro uma obra-prima, mas é um livro simpático, que se lê com um certo gosto. Uma fábula moderna muito ligada a este vício de virar páginas para ver o que acontece naquela que vem a seguir. Não será livro imprescindível, mas julgo ser livro recomendável.

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