sábado, 26 de março de 2011

1935-2011

Faz hoje três semanas que morreu o meu pai. E aqui a Lâmpada tem estado à espera que eu ganhe coragem para fazer este post. O terceiro post do ano, agora que este está prestes a concluir o seu terceiro mês, porque antes da morte houve a fase mais terrível e devastadora da doença e eu estive com a cabeça muito, muito longe daqui.

Não poderia voltar ao blogue sem fazer este post. Pensei por várias vezes fazê-lo mas em nenhuma dessas vezes deitei mesmo mãos à obra. Gostaria de poder fazê-lo dizendo ao meu pai tudo o que ficou por dizer, mas ficou tanto, tanto por dizer que não seria um post, seria uma série deles, e se ficasse à espera de escrever tudo antes de regressar à Lâmpada esta ficaria parada durante imenso tempo. Talvez para sempre. E o meu pai ficaria muito triste com isso. Este blogue foi durante muito tempo a sua única concessão ao mundo dos computadores. Lia-o sempre que o apanhava aberto e me apanhava por fora. Por isso entristecê-lo-ia muitíssimo não só que o blogue acabasse, mas que fosse ele a causar o seu fim. Portanto regresso agora à Lâmpada, e tenciono retomar o ritmo normal um destes dias. Para já, falo do meu pai e com o meu pai, num post relativamente pequeno que não é uma despedida mas um recomeço. E agora com licença que tenho de falar com ele.

Olá, pai.

Não te assustes, nem comeces já a gozar comigo. Não me converti a nenhuma teoria esotérica, descansa. Estou plenamente consciente de que não me ouves nem lês. Mas preciso de falar com aquilo que de ti ficou em mim, percebes?, e um modo de o fazer é assim. Como se ainda me pudesses ler, como se ainda pudesses olhar-me enquanto escrevo isto.

Queria só dizer-te, para já, que lamento imenso não termos podido ter uma última e longa conversa. Que a doença e os opiáceos que te tiravam as dores também te tenham roubado cedo demais o discernimento para essa conversa. Que eu tenha calado muitas coisas para te tentar dar alguma esperança e algum ânimo nos últimos meses da tua vida. Talvez tivesse sido melhor se tivéssemos tido essa conversa, tu e eu, de pai para filho, de amigo para amigo e de homem para homem. Ficou tanto por dizer!

É terrível quando ficam coisas por dizer.

Um dia dir-te-ei tudo, mesmo sem que me possas ouvir nem ler. Para já fica só isto. Amo-te, pai. Sempre amei e sempre amarei. E tudo na minha vida foi determinado ou influenciado por ti e pela tua, coisa de que julgo que nunca chegaste a ter plena consciência. Mais tarde te explicarei melhor como. É uma promessa que te faço aqui e agora. Mais tarde.

Por agora, só mais uma coisa. Tudo o que eu escreva e publique é para ti. Tudo o que traduza é para ti. Percebes? Tudo. E nem assim conseguirei algum dia pagar a dívida que tenho para contigo.

Pronto, chega por agora. Mais tarde continuarei, mas não aqui na Lâmpada. Quando tiver tempo e força para isso. Até lá.

PS: O meu pai tem um pequeno artigo na Wikipédia, que não foi criado por mim (nem por ninguém que eu conheça, aliás) mas que acabei de alterar. Provavelmente irei completá-lo no futuro, mas não será em breve.

4 comentários:

  1. Muita força e sinceridade transpiram pelas tuas palavras. Ficam aqui desde já as minhas mais sinceras condolências e a continuação duma boa luta pela vida

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  2. Caro Jorge:

    Saio do silêncio em que costumo ler este blogue para deixar as minhas condolências e um voto de força. Os pais sabem. Sabem sempre. Mas, logo que se sentir pronto, diga-o na mesma. Um abraço.

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  3. Bonitas palavras de partilha!
    Grande abraço

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  4. Olá Candeias,
    Por aqui passo sempre que há novidades, e sempre em silêncio. É só para desejar muita força e agradecer a partilha.

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