Una Luz en la Noche, do espanhol Daniel Mares, é um romance de ficção científica dura, que em várias passagens me fez lembrar algumas das histórias de João Aniceto. Trata de uma expedição espacial a um sistema estelar distante, um binário com uma estrela normal e um pulsar. Tal como nas histórias de Aniceto de que falei, a expedição segue as regras da FC clássica. Nave tripulada, velocidades relativísticas, longos anos em viagem, mais longos ainda para quem fica nos planetas de origem. E no fim da viagem encontra-se um sistema não só estelar, mas, para surpresa da tripulação, também planetário.
Mares propõe algumas ideias bem difíceis de engolir. O facto da expedição interestelar ser tripulada, e não robotizada, é uma dessas ideias, mas até aí ainda a descrença se suspende por ser um tropo clássico na FC. É isso ou o hiperespaço, porque as histórias têm de ter gente dentro. Já o facto da presença do planeta ser surpresa total se entala mais um pouco na garganta, nesta época em que os nossos telescópios vão descobrindo planetas extrasolares às centenas. O que não dá mesmo para engolir é a nave ser uma nave penal, tripulada por três cientistas e por três prisioneiros. É completamente absurdo. O envio de homens para o espaço é inerentemente caríssimo e problemático porque há que levar atrás uma bolha da biosfera terrestre. Gastar esse dinheiro e esses recursos só para que três prisioneiros vão dar uma volta a uma estrela distante seria de tal modo estúpido que nem a mais tresloucada ditadura o faria. É que a missão nem sequer é de colonização, caso em que a ideia da nave penal talvez pudesse fazer algum sentido; a ideia é, apenas, ir, estudar o pulsar, e regressar, sem que os três prisioneiros tenham tarefas próprias. Inúteis geradores de entropia. Não há suspensão de descrença que resista.
Mas enfim, a nave lá chega ao destino, lá descobre o planeta, lá se põe a explorá-lo. Transforma-se o romance numa história de exploração planetária, que dá azo ao melhor que Mares concebeu. É que o planeta não só existe, como é habitável, e não só é habitável como é habitado (bem sei, suspensão da descrença, e tal... mas chegados a este ponto já ela estava em frangalhos, portanto isso já pouca relevância tem). E não só é habitado como é habitado por alienígenas inteligentes, embora primitivos. Temos, portanto, uma história de contacto, e é essa a parte mais interessante e bem concebida de todo o romance. O suficiente para o justificar? Depende dos leitores. Para mim foi. Porque os ETs de Mares não são americanos com máscaras de borracha, como tantos ETs da FC anglófona. Estão muito melhor concebidos do que isso. E esse facto, para mim, tem importância. Para outros leitores, o prato da balança que mais penderá será o facto da ambientação geral ser muito pior do que é hábito ver-se na FC com que estamos mais familiarizados. Esses, estou certo, sairão da leitura do romance achando-o muito mau.
Eu achei-o globalmente fraquinho mas com alguns motivos de interesse. Mais ou menos o que achei, lá está, dos romances do Aniceto. Com uma diferença: o Aniceto escrevia no início dos anos 80; Mares iniciou carreira nos 90 e o livro em que este romance se insere data de 2002. Apesar de tudo, o Aniceto estava mais sintonizado com a FC do seu tempo do que Mares com a do seu. Parecendo que não, é uma diferença relevante, e o português leva aí vantagem relativamente ao espanhol.
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