Os Canibais (bib.) é uma longa noveleta de Álvaro do Carvalhal que tem elementos de horror e um leve travo a proto-FC mas que no essencial é um melodrama bastante clássico, ainda que temperado de sátira. A base da história é um aristocrático triângulo amoroso entre uma dama que se perde de amores por um tal visconde de Aveleda e um seu pretendente, um tal D. João. Este é consumido por ciúmes e por planos de vingança violenta, mas o mistério reside naquele. É que ao que tudo indica o homem é feito de pedra, embora acabe de uma forma bastante... hm... orgânica, digamos assim.
Quanto à sátira, ela revela-se sobretudo nos apartes irónicos que o autor vai deixando ao longo de toda a narrativa, através dos quais desconstrói a própria história que conta e o modo como a conta o que, para um conto de meados do século XIX, é digno de nota. Foi este pormenor que mais me interessou nesta noveleta. O reverso da medalha, contudo, é que o autor, ao mesmo tempo que desmascara o ridículo da trama e até mesmo do estilo literário que emprega, utiliza esse estilo e desenvolve essa trama. Ou seja, não é por ser apontado a dedo pelo próprio autor que o ridículo desaparece. O estilo é empolado, hiperadjetivado, bastante aborrecido, e a trama é de um romantismo tão açucarado que ameaça causar diabetes... pelo menos até se chegar ao desfecho, a segunda mais interessante parte da história, ainda que prejudicada por sofrer de galopante inverosimilhança.
Suponho que esta história terá sido na época uma pedrada no charco, tendo decerto contribuído para tornar Carvalhal um autor maldito. E isso, na verdade, é o suficiente para a tornar relevante no contexto do fantástico português, em particular do oitocentista. Não posso dizer que me tenha agradado muito — se não houvesse mais motivos, histórias mui aristocráticas costumam encher-me de tédio — mas esta é das tais leituras que são obrigatórias para ter ideias sólidas sobre o que foi e é o fantástico português e quais as influências que mais impactaram sobre autores contemporâneos como António de Macedo. Não terá sido leitura muito prazerosa, portanto, mas foi bastante instrutiva.
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