segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Guia Candeias Para a Taxonomia Editorial

Tenho notado de há algum tempo a esta parte que há por aí uma grande confusão, em boa medida deliberada, em torno do que são e como funcionam as editoras deste país. E dos outros, que nisto, como em tantas outras coisas em que nos julgamos únicos e especiais, não há nada que nos separe dos outros. Não sendo uma autoridade inatacável na matéria, mas tendo alguns conhecimentos sobre ela, resolvi deixar aqui o meu modesto contributo para que quem opina saiba melhor sobre o que opina e possa ter uma breve referência básica.

A editosfera subdivide-se em três géneros. Os dois primeiros subdividem-se em várias espécies cada um, o outro constitui uma espécie única. São eles:

  • Genus Professionalis - editoras profissionais, aquelas que servem de ganha-pão pelo menos aos donos, e muitas vezes também a equipas de funcionários e colaboradores;
    • Professionalis comercialis - editoras que publicam tudo o que venda, seja bom seja uma porcaria. O best-seller é deus e o dinheiro que ele gera é seu profeta. Com várias subespécies, algumas especializadas em certos habitats (especialmente em mercados maiores, naturalmente), é uma espécie muito abundante, e por vezes os exemplares atingem grandes dimensões;
    • Professionalis amiculivrus - editoras que, entre o que vende, procuram publicar apenas aquilo que lhes agrada. Os exemplares tendem a ser muito pequenos e ágeis, sempre a tentar roubar aos P. comercialis e aos P. amantissimus um naco de comida particularmente apetitoso;
    • Professionalis amantissimus - editoras que usam edição comercial, por vezes de coisas por que nem têm grande respeito, para financiar a edição de livros que sabem à partida que vão dar prejuízo mas que acham que devem publicar, ou porque acham que fazem falta no mercado ou porque realmente os adoram. Tendem a atingir dimensões superiores às dos P. amiculivrus, mas não atingem nunca o tamanho dinossáurico de alguns dos P. comercialis. O seu modo de alimentação é semelhante ao do P. amiculivrus, mas costumam ter mais força para defender os acepipes;
    • Professionalis predatorius - as aves de rapina do meio editorial. Publicam qualquer merda desde que alguém lhes pague. Normalmente a vítima principal é o pobre autor iludido que julga que só assim poderá ter uma oportunidade e que ao mesmo tempo que é sugado até ao tutano fica com o nome manchado no mercado;
  • Genus Amatoris - editoras amadoras, aquelas que, embora possam gerar algum lucro, não geram o suficiente para a sobrevivência de ninguém;
    • Amatoris amantissimus - editoras que só publicam aquilo de que realmente gostam, frequentemente mostrando grande brio nos acabamentos e em todo o processo. Uma subespécie, A. amantissimus ridiculus, tenta mimetizar a pertença ao género Professionalis; os especialistas divergem na interpretação deste curioso fenómeno;
    • Amatoris nichianus - editoras muito proximamente aparentadas às A. amantissimus (alguns autores consideram-nas uma única espécie, apontando como prova, entre outras características, para a existencia, também aqui, de uma subespécie ridiculus); caracterizam-se principalmente por adotarem uma grande especialização ecológica;
    • Amatoris desenrascus - editoras que publicam o que calha, como calha, quando calha. São a espécie de vida mais curta em toda a editosfera;
    • Amatoris ideologicus - editoras que publicam tudo o que promova as ideias dos seus editores ou donos. Muitas mimetizam com grande eficácia a pertença ao género Professionalis, mas um exame mais atento às suas características fisiológicas revela que o dinheiro provém não da edição propriamente dita mas de quem quer promover as ideias;
    • Amatoris milionariaborrecidus - editoras que não têm falta de dinheiro porque possuem um mecenas forte; aparentadas com a A. ideologicus, diferenciam-se desta por não publicarem exclusivamente obras a promover as ideias dos donos, embora também o façam;
    • Amatoris predatorius - editoras que sonham ser P. predatorius mas não conseguem;
  • Genus Setinstrumentus
    • Setinstrumentus individualis - espécie isolada, vive em simbiose com gráficas e casas de print on demand; dotada de enorme variabilidade interna, cada indivíduo é uma subespécie, ainda que uma boa maioria se possa agrupar de uma forma pouco rígida num agrupamento chamado minitalentus inteligentis, por não caírem nas malhas dos P. predatorius. Uma boa maioria, note-se, não a totalidade: a subespécie mais valiosa é a S. individualis migueltorgus, várias vezes nomeada para o Nobel.
E pronto. Imprimam este pequeno guia e estudem-no bem. Ser-vos-á útil.

Pessoalmente? Há algumas espécies aqui que me interessam. P. amiculivrus, P. amantissimus, A. amantissimus, A. nichianus e S. individualis, basicamente. As outras dispenso, e de algumas fujo a sete pés.

Adenda: por lapso, tinha-me esquecido de incluir no esquema a A. predatorius. Já está corrigido.

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