É verdade: andava indeciso. Como, imagino, tantos outros eleitores que sabem perfeitamente que nunca na vida votariam Cavaco mas têm dúvidas sobre a qual dos outros candidatos será melhor dar o voto na primeira volta, também eu olhava para os quatro candidatos de esquerda e só me vinham dúvidas à cabeça.
Não me apetecia votar no Soares porque, sinceramente, e que me perdoem os defensores do tabu etário, me parece que está velho demais para quatro anos de presidência. Bem sei que ele sempre foi um pouco assim, que as gaffes soaristas fizeram a seu tempo escola no anedotário nacional, mas dá-me a sensação de que a coisa se agravou bastante nos últimos tempos. Que ele esteja óptimo para a idade, que está, não invalida que o óptimo para a idade seja bem diferente do óptimo.
Não me apetecia votar no Alegre porque desconfio de toda aquela grandiloquência, do uso e abuso da palavra "pátria" que tanto me soa a nacionalismo bacoco à velhíssima e asquerosíssima moda da extrema-direita. Bem sei que o homem foi um lutador anti-fascista de relevo, que está fortemente ligado à história da democracia portuguesa, mas que certas coisas, mesmo assim, me causam calafrios, isso causam.
Não me apetecia votar no Jerónimo porque não acredito no Jerónimo. O Jerónimo é um líder com aquele carisma que o Cunhal também tinha para dar e para vender e que o Carvalhas nunca teve, mas não me parece que tenha alguma coisa para além disso. Parece-me inconsistente, com pés de barro, pronto a desmoronar-se à primeira rajada de vento, transformando-se numa simples pilha de chavões vazios de significado.
E não me apetecia votar no Louçã porque não me agrada a tendência recente no Bloco de Esquerda de centrar tudo no Louçã. Ele é eleito líder num partido que se destacava dos outros precisamente por não ter um rosto único a personificar a liderança, ele é candidato a presidente da república, ele é, ele é, ele é. Soava-me demasiado a alguns velhos tiques (também bastante arrepiantes, certamente) de algumas das forças que se uniram para formar o Bloco e não me apetecia mesmo nada incentivar a tendência.
Mas, por outro lado, qualquer deles é infinitamente melhor que o Cavaco. Qualquer um. O Cavaco é o vazio absoluto, um homem sem ideias, um péssimo economista que cometeu a proeza, quando foi primeiro-ministro, de desbaratar milhões e milhões de contos de fundos comunitários em investimentos de segunda linha e elefantes brancos do regime quando aqueles que importava realmente fazer, aqueles que realmente são fundamentais para o nosso futuro enquanto país (os investimentos na qualificação do nosso capital humano) foram completamente menosprezados, o homem cujos governos, por pura incompetência, por coisas tão simples como não terem os projectos prontos dentro do prazo, deixaram por aproveitar milhões de contos de fundos comunitários, o homem que gerou boa parte das condições que levaram à crise que hoje vivemos, quer por acções próprias, quer por não ter sabido ou querido agir de forma correcta quando era tempo disso.
E um homem que hoje se apresenta como se fosse D. Sebastião, saído do nevoeiro da semi-inactividade política para convencer as pessoas de que vai devolver a Portugal a grandeza de outrora, tentando com isso capitalizar em cima da mais profunda de todas as causas do nosso atraso, o sebastianismo, com uma estratégia planeada há muito mais de um ano, apesar dos tabus e das meias verdades (e de uma mentirinha aqui e ali também, já agora) com que foi tentando esconder que ia ser candidato. Sempre que hoje cita a sua autobiografia (e fá-lo muitas vezes) está a admitir que ela é parte de uma estratégia mais vasta destinada a vingar a derrota de há dez anos.
Hoje, Cavaco apresenta a sua condição de economista como trunfo político, dado o país estar em crise económica, e dado que durante o seu mandato Portugal melhorou a maior parte dos indicadores socio-económicos. O que não diz é que com os rios de dinheiro que nos chegavam nessa época de Bruxelas qualquer outro primeiro ministro teria feito melhor, investindo menos em cosmética mas lançando as fundações para que hoje não estivéssemos na triste situação em que nos encontramos.
E isso ficou inteiramente claro no debate Cavaco-Louçã. Louçã arrasou por completo o antigo presidente do PSD, ganhando-lhe por KO não só em temas de política geral como na sua própria capelinha económica, trazendo a nu ignorâncias chocantes em alguém que quer ser presidente da república (propor legislação ao parlamento?! Desde quando é essa uma competência do presidente? Ou ignorar que certas leis estão aprovadas e em vigor ou que determinados estudos estão feitos?! Poupem-nos! Este país não está em condições de ter como presidente alguém tão impreparado!), levando-o a atrapalhar-se, a titubear, a gaguejar, a enlear-se em respostas evasivas que não respondiam a nada.
Louçã, aquele candidato que, segundo as sondagens, é o quinto nas preferências dos portugueses, mostrou que está incomparavelmente mais preparado para ser presidente do que Cavaco. Julgo até que é, entre os candidatos da esquerda, aquele que seria melhor presidente. E, sem sombra de dúvidas, é aquele que, na área do BE, pode mais eficientemente enfrentar Cavaco no seu próprio terreno. Onde se comprova que a escolha do candidato foi acertada. E assim se põe ponto final nas minhas dúvidas.
Vou votar Louçã, confiando que ele foi escolhido não por ser o líder mas sim por ser, no Bloco, o melhor antídoto ao Cavaco. E espero — sinceramente tenho esperança — que este povo tenha a inteligência suficiente para compreender que Cavaco não irá resolver rigorosamente nada e, pelo contrário, poderá contribuir para perpetuar o nosso atraso.
Tal e qual como já fez no passado.
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