Quase sempre que se fazem contas e se distribuem dinheiros, o Algarve sai seriamente prejudicado em relação a outras zonas do país, especialmente quando se quer passar uma imagem de "objectividade" e se vai buscar dados estatísticos "objectivos" como a população ou o PIB per capita.
O problema é que o Algarve é a zona turística portuguesa onde é maior a desproporção entre a população residente (cerca de 400 mil pessoas) e a quantidade de pessoas envolvida na sua actividade económica, que pode chegar aos dois milhões.
Ora, todas as contas são feitas com base nos residentes. Vai-se ver o PIB per capita e é por cabeça residente, quando a verdade é que parte desse PIB é gerado por residentes de outros pontos do país que vêm para o Algarve na época alta do turismo não apenas para fazer férias mas também para trabalhar. Vai-se ver se a rede viária se adequa às necessidades e compara-se os km de estradas e auto-estradas com a população residente, quando a verdade é que esses km de estradas e auto-estradas têm de servir não só os 400 mil que cá vivem todo o ano, mas também o mais de milhão e meio que nos cai em cima de vez em quando. E quem fala de auto-estradas, fala de todas as infra-estruturas, fala de saneamento, fala de fornecimento de água e energia, fala de instalações de saúde, fala de comércio.
E já nem falo da engorda estatística que é consequência do Algarve ser local de refúgio de gente rica, porque isso levaria muito longe noutras direcções.
A consequência é que o Algarve recebe sistematicamente menos do que necessita e do que aquilo a que teria direito caso as contas fossem feitas tomando em atenção todas as suas características. E a consequência disso é que se é verdade que a vida dos residentes é razoavelmente confortável e de boa qualidade durante a época baixa, não é menos verdade que durante a época alta o Algarve se transforma, a muitos níveis, num verdadeiro inferno não só para os residentes como também — o que é pior no que diz respeito à economia — para os turistas. São os locais apinhados, são os intermináveis engarrafamentos nas estradas e nas ruas das cidades, são as idas às compras que se transformam em slaloms de pôr os cabelos em pé, cheios de encontrões e de bichas, são as sobrecargas ocasionais no sistema de distribuição de energia eléctrica que levam a cortes, são os odores nauseabundos vindos das ETARs, incapazes de lidar eficientemente com o excesso de efluentes, etc., etc., etc.
E depois, lá vem a lengalenga do costume, nos escritos sufocados dos escribas da imprensa, de referência ou não, que ano após ano cascam neste estado de coisas, clamando que o Algarve é isto e aquilo e aqueloutro. Não é que o Algarve o seja de facto: se fosse só para nós, os residentes, estava bastante bem equipado. É bom viver no Algarve na época baixa e eu, juro, não trocaria esta terra por nenhuma outra. Especialmente se pudesse daqui sair de 15 de Julho a 15 de Setembro todos os anos. Porque durante esses dois meses, é o sufoco, o Algarve não aguenta, rebenta pelas costuras, a qualidade de vida cai a pique, surge uma componente de stress em coisas tão simples como andar na rua, viver aqui ou andar por aqui torna-se algo difícil de suportar. Os escribas, coitados, não vêm nada a não ser isto. E cascam, cascam, cascam. Também a mim me apetece cascar, cascar, cascar, mas ao contrário deles, a mim apetece cascar neles, porque sei que quem traz o sufoco todos os anos são eles.
Há aspectos desse sufoco estival que são inevitáveis. Mas outros têm soluções, que passam também por deixar de fazer contas simplistas com a população residente quando de facto o maior impacto sobre o Algarve vem da população flutuante. População flutuante essa que é composta por vocês, amiguinhos. Por vocês, os que desta terra só conhecem a poeira e a multidão de corpos suados. É para vos dar condições a vocês que são precisas as infra-estruturas para dois milhões de pessoas. É por causa de vocês que a EN125 não poderá nunca ser vista como alternativa à Via do Infante. É para vos dar sítios para dormir, a vocês, que o litoral algarvio está praticamente transformado numa cidade contínua de Lagos a Tavira. É por causa de vocês (e duma rede perdulária), para vos dar que beber, cozinhar e lavar, que sofremos de falta de água. É para vocês que o Algarve precisa de mais. Nós já temos mais ou menos o que nos faz falta, ou pelo menos estaríamos melhor do que a maior parte do país caso vocês não viessem para cá todos os anos. Os investimentos que fazem falta são fundamentalmente para vosso usufruto. Metam isto, por favor, nas vossas cabeças.
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