segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mania de meterem deus onde não é chamado

Conhecem o The Big Picture? Se não conhecem, façam um favor a vós próprios e passem urgentemente a conhecer. Trata-se de um blogue fenomenal que nos apresenta o mundo através do poder da fotografia.

Quem diz o mundo diz também o universo, pois eles não se limitam a este cantinho do todo em que vivemos e raramente hesitam em nos deixarem espreitar os outros. Foi o caso deste conjunto de imagens do Hubble, cuja função é espreitar tudo aquilo que fica fora do nosso cantinho do todo.

So far so good, lá diriam os paquistaneses. O problema é o teor dos comentários beatos, que raiam o insultuoso. Confrontados com a beleza das imagens, o beatério não tem uma palavra para quem construiu os aparelhos que lhes permitem apreciá-las, não tem um agradecimento a fazer às gerações de cientistas que acumularam o conhecimento que nos permite hoje ter um telescópio em órbita, computadores e internet. Não. Para eles, vidas inteiras de labor humano são irrelevantes. Aquela beleza é fruto de deus, como se as imagens lhes aparecessem à frente do nariz por milagre divino.

Lá tive de deixar um comentário, que traduzo aqui:

A beleza está nos olhos de quem a vê. Nós achamos estas imagens belas porque é esse o resultado do modo como estamos constituídos. E porque as pessoas que enquadraram as imagens e, por vezes, escolheram as cores (sim, algumas destas imagens mostram cores falsas) são... bem... pessoas. Não há qualquer deus nisso: há apenas as nossas mentes a trabalhar como evoluíram para trabalhar. Se tivessem evoluído de outra forma, as imagens aqui exibidas seriam diferentes, e no entanto essas pessoas alteradas fitá-las-iam maravilhadas, tal como nós.
Para terminar, nós podemos ver esta beleza não porque um bando qualquer de ascetas místicos rezou com muita força, mas porque algumas pessoas abandonaram os dogmas e se puseram a sondar a verdadeira natureza das coisas. Chamamos-lhes cientistas, e são eles o motivo de termos um telescópio em órbita, computadores nas nossas casas e a internet que traz as imagens desse telescópio aos nossos computadores. Também nisso não há qualquer deus.
Claro que sei que não serve de muito. O beatério nem sequer se dá conta do insulto implícito em deitar para o lixo todo o trabalho de quem criou as imagens e os meios para as obter e disponibilizar. Lêem isto e só conseguem ver um ateu a dizer que deus não existe, cegos perante as subtilezas daquilo que eu realmente estou a dizer. Mas não importa. Alguém há de entender, e na verdade basta que uma pessoa entenda para já valer a pena.

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