sábado, 26 de maio de 2012

Lido: Quenta Silmarillion

O Quenta Silmarillion é um longo texto de J. R. R. Tolkien, do tamanho de um pequeno romance que, embora o título prometa uma "História dos Silmarils" (os quais são três joias radiantes, produzidas por um elfo no início do mundo, e posteriormente roubadas pelo senhor do mal, Morgoth), na verdade relata uma série de episódios da história de "Arda" (o mundo; suponho que o nome provenha da palavra germânica para Terra: Erde) que traçam um esboço, com graus variáveis de nitidez e elaboração, da história dos elfos, dos anões e dos homens no legendário tolkieniano. Por outro lado, boa parte dessa história pode resumir-se a uma longa luta pela posse dos silmarils.

Compreendo o fascínio que este texto exerce sobre os fãs mais dedicados de Tolkien. Afinal, nele se explicam muitas coisas que são só entrevistas n'O Senhor dos Anéis e n'O Hobbit e todo o substrato histórico-mitológico destas obras, mais elaboradas enquanto tal, é aqui bastante desenvolvido. Imagino que, para um verdadeiro fã, ler este livro seja como abrir uma arca de tesouro e remexer entre moedas, colares e anéis reluzentes. Mas eu não sou fã de Tolkien. O mundo que criou não me fascina, há nele subjacente uma filosofia conservadora, ludita, que colide de frente com a minha forma de encarar o mundo. Se consigo compreender que, para um fã, possa ser uma delícia desenterrar minúcias e estabelecer ligações entre um episódio e outro, e entre estes e os livros principais, a verdade é que para mim não é. Eu poderia gostar desta história se ela realmente funcionasse como história. Mas não me parece que funcione. Ao contrário dos textos anteriores do livro, que imitavam eficazmente mitos da criação, e funcionavam enquanto textos literários precisamente por causa desse mimetismo, que ia dos temas gerais à toada da linguagem e ao caráter poético do texto, o Quenta Silmarillion é um texto híbrido e indefinido. Aqui parece um relato histórico, ali já toma tons de mitologia, acolá é como um conto, com enredo e diálogos e um fio condutor mais sólido.

E depois, há todos aqueles nomes. Que me perdoem os fãs, que provavelmente encaram com prazer e antecipação cada viagem ao glossário para descortinar que nome é aquele, quem é, onde fica, se é nome élfico ou humano, e desenterrar mais uma pitadinha de história, mas a mim falta por completo a paciência para passar toda a leitura para trás e para a frente, aos saltos entre história e glossário. Toda a leitura, pois as referências aos mais díspares locais e personagens são uma constante ao longo de todo o texto. E há trechos em que isso se agrava. Há trechos do Quenta Silmarillion que, para mim, são uma insuportável e impenetrável floresta de nomes, todos semelhantes uns aos outros, com as suas terminações em -on, -ir ou -in. Sim, bem sei que Tolkien era linguista e que em termos linguísticos faz todo o sentido haver coerência nas terminações. Mas com tantos nomes, tão empilhados uns em cima dos outros (metaforicamente, pois há parágrafos que contêm um ou dois nomes por linha, mas também literalmente, visto que há personagens e regiões designadas por dois e três nomes, inteiramente diferentes uns dos outros), essa coerência redunda em confusão.

Creio que se nota demasiado que o Quenta é composto por uma mistura de notas destinadas à construção do mundo ficcional em que Tolkien ambientou as suas histórias e de esboços pouco detalhados de histórias que nunca chegou a escrever. Que é um texto cujo principal objetivo era a orientação (e o divertimento) do escritor, não a divulgação pública. Que, provavelmente, fazia muito mais sentido para o próprio Tolkien do que fará para qualquer dos seus leitores; sei por experiência própria que, por mais notas que quem escreve faça sobre os universos ficcionais que cria, boa parte do que liga e dá sentido a essas notas nunca chega a sair da cabeça. Por isso houve alguns episódios de que quase gostei, mas em geral, do todo, não consegui gostar.

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