sexta-feira, 25 de maio de 2012

Lido: Titus: O Herdeiro de Gormenghast

Titus: O Herdeiro de Gormenghast (bib.) é um longo romance de Mervyn Peake, cujo qualificativo mais acertado é bizarro. Titus é, como o título português explica logo à partida, o herdeiro do Conde Sepulchrave Groan, e o seu nascimento, a par do aparecimento de um jovem arrivista cínico e sem escrúpulos, vai abalar a imutável rotina da vida do castelo de Gormenghast e respetivos domínios. Este é um imenso e surreal labirinto de pedra, uma caricatura de castelo que ultrapassou em muito as proporções normais. E é habitado por uma fauna humana não menos caricatural e surreal, disforme de corpo, espírito e atitudes. Um cozinheiro imensamente gordo, imensamente nojento, o seu arqui-inimigo, imensamente magro, com membros de aranhiço, duas gémeas deficientes mentais e incapazes de expressar emoções, seja com os rostos, seja com as vozes, um médico que só consegue falar com discursos convolutos e intercalados de gargalhadinhas, a condessa que por nada se interessa a não ser gatos e pássaros, e etc. E etc. E etc.

Tudo isto é descrito com uma riqueza de pormenores também ela bizarra, e de tal forma excessiva que, ao longo das densas 400 e tal páginas que o livro comporta é pouco o que acontece. Subtraindo a este volume as elaboradas descrições que contém, será fácil não ultrapassar 50 páginas, e será com dificuldade que se chegará às 100. É provável, porque é possível entrevê-lo aqui e ali, que essa riqueza de detalhe descritivo corresponda no original a uma riqueza semelhante no tratamento dado à língua inglesa. Mas a sensação que fica ao ler a edição portuguesa é que para lhe fazer realmente justiça a tradução teria de ser impecável, exemplar. E não é.

Valerá a pena falar da história? Esta parece ser aquilo que menos importa a Peake. Embora a personagem titular seja o herdeiro, apesar do livro começar praticamente com o seu nascimento, este pouco aparece, e na verdade pouca relevância tem no relativamente escasso enredo do livro. O verdadeiro protagonista (além do castelo propriamente dito, entenda-se), quem faz avançar a história, é Steerpike, o tal canalha sem escrúpulos que vai manipulando tudo e todos para ir subindo na rígida hierarquia do castelo. E, basicamente, a história resume-se a isso: o que Steerpike faz, com quem fala, que cordelinhos manipula, com quem trava amizades de conveniência, quem apunhala pelas costas, figurativamente falando, sim, mas não só.

Assim descrito, Steerpike soa a um daqueles vilões simpáticos e com frequência verosímeis que muitos leitores adoram odiar. Mas desengane-se quem esperar encontrar algo de credível ou verosímil neste livro. As personagens são de tal forma distorcidas que nelas muito pouco resta de humano. Os locais, as tradições, tudo, enfim, como que tem embutido um daqueles espelhos de feira, que criam versões aberrantes do que é refletido. Por conseguinte, leitores que precisem de descobrir alguma forma de identificação com as personagens terão a vida difícil, quando não mesmo impossível. Duvido que algum destes leitores consiga gostar deste livro, por mais que se esforce. Outros, os que se deliciam com descrições, aqueles para os quais o surrealismo é uma virtude, os fãs de coisas bizarras, provavelmente gostarão.

Se eu gostei? Não. A leitura deste livro foi-me francamente penosa. Terminei-o por pura teimosia, e por saber que por vezes há surpresas agradáveis no fim dos livros. Já tive algumas. Mas não foi aqui o caso, embora sensivelmente a partir de meio as coisas melhorem um pouco e comecem finalmente a acontecer algumas... bem... coisas. Contudo, fiquei na dúvida sobre qual teria sido a minha reação se tivesse lido o livro em inglês. Acho provável que tivesse gostado bastante mais dele, muito embora nunca pudesse chegar sequer perto de se tornar um dos meus livros preferidos. É demasiado... poeirento.

Este livro foi comprado.

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