sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Falemos então um pouco mais de Portimão.

Então lá foram as eleições autárquicas. Queria e devia ter participado mais da campanha, mas estive aqui preso no chega-não-chega de um trabalho daqueles que têm de estar prontos para anteontem, e que só acabou por chegar mesmo na sexta, precisamente o dia em que a placa gráfica deste meu fiel computador, já algo idoso para um membro da aceleradíssima família informática, achou por bem entregar a alma ao criador chinês.

Foi a primeira avaria que teve, em, quê?, seis anos? Viva a pontaria. Mas adiante. Não é disso que vos quero falar.

Como era previsível, o PS voltou a ganhá-las; afinal, nunca as perdeu. Desde que há democracia, Portimão é um concelho socialista, umas vezes mais solidamente, outras de uma forma mais periclitante. Desta vez, apesar dos escândalos de corrupção e da catástrofe financeira, venceu, mesmo tendo perdido mais de metade dos votos(!). E só venceu, na verdade, porque temos este desastre de governo no país. Fosse outro o governo, fosse outra a situação, e o Partido Socialista teria com toda a certeza perdido esta câmara pela primeira vez na história. Assim, os partidos da direita só conseguiram ganhar cerca de 200 votos dos seis mil perdidos pelo PS. Os outros foram todos para a abstenção. E para os brancos e nulos. E para a esquerda, por uma vez sem exemplo.

Claro que o PS, tendo ganho as eleições, perdeu a maioria absoluta que tinha na câmara. Ficou com 3 vereadores contra 4 das outras forças concorrentes, um para cada. Antes tinha 5, contra 2 do PSD (que desce para 1). O CDS ganha um vereador, julgo que pela primeira vez na história do município, o PCP recupera o vereador que já não tinha há muito tempo, e o BE elege um vereador também pela primeira vez na história.

Na assembleia municipal, o PS, que tinha 12 deputados eleitos, trambolha até 7, a que acrescem (a ambos os números) os três presidentes das três juntas de freguesia. O PSD, que tinha 5, baixa para 4. O CDS, que tinha 1, sobe para 4. O Bloco, que tinha 2, sobe para 3. O PCP, que tinha 1, sobe para 3.

Para que vos estou a dar estes números? Já verão mais à frente.

Ao contrário do que aconteceu no país, em Portimão o Bloco portou-se muito bem. Cumpriu todos os objetivos a que se tinha proposto: contribuir para tirar a maioria absoluta ao PS, contribuir para derrotar as candidaturas de direita e reforçar a presença nos órgãos autárquicos. Foi tudo cumprido. Pela primeira vez, aliás, há eleitos pelo Bloco em todos os órgãos autárquicos do concelho, da vereação camarária às juntas de freguesia. A percentagem de votos duplicou, e a quantidade de votos quase duplicou também: acrescentaram-se cerca de mil aos anteriores mil e quatrocentos.

Para todos os efeitos práticos, um sucesso.

Mas o PS lá voltou a ganhar a câmara. E não teria de ser assim.

Porque houve quase dois mil votos brancos e nulos. Não é difícil concluir que se trata de eleitores descontentes com as candidaturas. Também com as do Bloco e do PCP, sim, mas muito em particular com as do PS e da direita. Se o Bloco tivesse conseguido captar esses eleitores, os resultados teriam sido bastante diferentes. Bastariam os nulos, o menor número dos dois (houve cerca de 800 votos nulos e cerca de 1100 brancos) para o Bloco tirar ao PSD um deputado municipal. Captando os brancos, o Bloco já teria sido a segunda força, não a quarta, embora em termos de eleitos as coisas ficassem como com os nulos. E se tivesse captado os brancos e os nulos, o Bloco tiraria um deputado municipal ao PSD e outro deputado ao PS e ainda um vereador ao PS. Captando o Bloco os brancos e os nulos, o PS ficaria com 2 vereadores, o Bloco com outros 2 e as restantes forças com 1 cada. Captando o Bloco os brancos e os nulos, o PS ficaria com 6 deputados municipais, o Bloco com 5, o CDS com 4, o PSD com 3 e o PCP com 3.

E é por isso que, na prática, exprimir descontentamento através do voto branco ou do voto nulo em vez de votar na oposição só serve para reforçar as forças políticas dominantes. E é por isso que eu tendo a chamar a esses votos a estupidez branca.

Mas não foi essa a única estupidez que impediu uma verdadeira mudança nesta cidade. A outra foi a estupidez sectária da esquerda.

O PCP, pela voz do seu secretário-geral, afirmou durante a campanha que o partido não aceita diluir-se em coligações, o que é no mínimo curioso dado o facto de se apresentar sistematicamente... em coligação. É revelador, tão revelador como ter o PCP sido o único partido de esquerda a ficar de fora da coligação que finalmente derrotou o jardinismo na cidade do Funchal.

O Bloco, por seu lado, decidiu na última convenção uma política autárquica que sempre achei estapafúrdia e a que a realidade acabou por dar resposta adequada, arrasando-a por completo. Que coligações sim, mas só com toda a esquerda. O que o deixou refém das realidades locais (em Portimão, por exemplo, uma coligação de toda a esquerda sempre foi inteiramente impossível, dado ser no PS que se concentram os vícios do poder local; noutros locais, será no PCP) e dos outros partidos, todos eles, estarem dispostos ou não estarem para coligações. Na prática, entre ter esta estratégia autárquica e dizer que o Bloco não se dissolve em coligações, à PCP, a diferença não é praticamente nenhuma.

O resultado foi que a única real vitória que o Bloco conseguiu ter nestas eleições foi no único sítio onde violou a sua própria estratégia autárquica. E que nos outros locais em que concorreu coligado teve de desaparecer, dissolvendo-se não em coligações, mas em movimentos de cidadãos, o que, por mais aspetos positivos que possa ter tido, contribuiu para fazer com que a derrota eleitoral parecesse ainda maior do que na realidade foi.

Estúpido, muito estúpido.

E se não acreditam que isto é estúpido, reparem no seguinte: em Portimão, uma coligação entre BE e PCP teria sido logo a segunda força, a apenas 1100 e 650 votos do PS, consoante se trate de votação para a câmara ou para a AM. Curiosamente, isso não teria tido reflexos diretos no número de eleitos para a câmara e a assembleia municipal, dadas algumas peculiaridades na distribuição de mandatos nestas eleições mas, com resultados um pouco diferentes, esses reflexos surgiriam. Desde logo porque uma candidatura conjunta seria logo à partida vista como uma candidatura com possibilidades reais de discutir a vitória e mudar realmente as coisas. Logo, seria uma candidatura mais capaz de captar votos que foram dados aos brancos e aos nulos, ou perdidos para a abstenção. É que bastaria captar os nulos para haver logo mudanças, não na vereação, mas na assembleia: com os nulos, uma candidatura conjunta teria vencido a AM. E bastaria captar os brancos para vencer ambas as eleições (por 10 votos a da câmara... mas por um voto se vence e se perde, como tantas vezes se diz). E aí as coisas mudariam mesmo, embora a falta de uma maioria absoluta fosse forçar a alguns compromissos.

Mas nada disto aconteceu. Em vez disso desperdiçou-se uma oportunidade talvez única (e se não for única é muito mau sinal, porque significa que a catástrofe financeira continua, que a corrupção continua) de mudar o governo desta cidade.

Reflitamos todos nisto. Nós, os que estamos nos partidos, e vocês, os que não estão, quer votem, quer não votem, quer votem nos partidos, quer votem branco e nulo.

Se queremos mesmo mudar, vamos mesmo ter de mudar.

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