A ideia do Luís deu-me uma ideia a mim (basicamente a mesma, mas com uma ligeira nuance), para a qual peço, à boa maneira dos ilusionistas de circo, a amável colaboração do venerável público. Ando a rever e a reescrever parcialmente um livrito, com umas 150 páginas e, já agora, já que vocês estão aí, lembrei-me de vos mostrar o início e perguntar se ele vos desperta curiosidade de ler mais. Bem sei que os comentários andam meio aluados, mas se puderem deixar um "sim", "não", "claro!", "blhergh!", "mazómenos" ou qualquer outra avaliação, eu agradeço com uma vénia virtual e um sorriso bem real.
Então cá vai:
— Senhor embaixador — disse o presidente para o aparelho com um aspecto desagradavelmente orgânico que o assessor segurava entre dois dedos que tentavam ser discretos, procurando sem sucesso esconder a repugnância por detrás de um sorriso rígido —, espero que a sua estadia no nosso planeta seja tão produtiva e agradável como... — o presidente fez uma pausa e lançou um olhar para o chefe de protocolo, um homem pequeno e careca, antigo astrónomo, em tempos idos membro proeminente do velhíssimo projecto SETI. Este fez um aceno encorajador e o presidente prosseguiu sem ser capaz de disfarçar o asco: — que a sua estada seja como um mergulho no nutritivo mar de muco dum... aaaa...
— Goo-hoog, senhor presidente — segredou o chefe de protocolo, debruçando-se sobre o ombro esquerdo do chefe da nação, manobra que realizava com eficiência surpreendente dado ser pelo menos uma cabeça mais baixo que o líder.
— Goo-hoog — concluiu o presidente, intercalando as sílabas daquela palavra alienígena com bocadinhos de um profundo suspiro de alívio.
O aparelho de aspecto orgânico começou a trepidar e a soltar estalidos agudos. Os aparelhos de metal, de fabrico terrestre, que procuravam sem qualquer sucesso mostrar-se discretos, a fim de que aquela recepção tivesse sinais mínimos de normalidade, registaram vibrações de elevada intensidade na banda dos ultrassons. Algures, fora daquela sala, talvez nos jardins do palácio, um cão ganiu.
De repente, o extraterrestre começou a mexer-se de uma forma estranha ao mesmo tempo que os aparelhos de metal voltavam a detectar grande quantidade de ultrassons e o aparelho de aspecto orgânico ficava imóvel, como um animal pequeno que parasse para escutar os ruídos do seu mundo. Daquela vez, os sacolejos do representante plenipotenciário dos Hoog duraram pouco tempo, terminando num apito audível, após o qual o embaixador caiu também na imobilidade. Como que em resposta, o aparelho orgânico falou, numa bonita e muito humana voz de soprano:
— Amanhã será Sol, e eu também sou um berlinense para vocês.
— Hã?! — soltou o presidente quase sem dar por isso, virando-se para o chefe de protocolo.
— Sr. Presidente — começou este —, trata-se de uma cortesia do embaixador que, infelizmente, o tradutor automático não consegue traduzir com clareza. Ainda são necessários alguns aperfeiçoamentos na... na máquina.
— Ah. Com certeza, com certeza. — murmurou o presidente. Depois, virando-se para o embaixador, disse em voz alta — Muito obrigado, excelência.
— A que horas é a corrida? — perguntou logo de seguida ao acessor, sem esperar que a máquina orgânica traduzisse ou respondesse.
— Deve estar mesmo a começar, Sr. Presidente.
— Bolas!
A máquina orgânica traduziu para ultrassons esta pequena conversa. Ouviu-se um ganido vindo do exterior.
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