sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

As dúvidas excruciantes da blogosfera

Esta coisa da blogosfera, às vezes, deixa um tipo perplexo. Pelos motivos mais variados e mais díspares, diga-se, mas há dois que, pela sua frequência, se destacam. Um é quando de absolutos desconhecidos surge material da maior qualidade, como (felizmente) vai acontecendo com frequência; outro é quando de figuras mais ou menos conhecidas e respeitadas, surge material relevador da mais absoluta indigência intelectual.

Um exemplo da segunda categoria pode encontrar-se neste blogue. Aparentemente, trata-se do blogue de uma senhora que, no seu estilo permanentemente algo deslumbrado e perplexo, consegue fazer das entrevistas mais interessantes que se têm visto na nossa TV. E digo aparentemente, porque não tinha a senhora na conta de imbecil, bem pelo contrário, mas aquilo que se pode ler no blogue é de bradar aos céus.

São muitas e variadas as cretinadas, mas talvez a série mais representativa seja a que tem por tema Tolkien. Escreve a senhora coisas como: "Tanta referência ao triunfo dos homens bons e justos do Oeste perante os tiranos do Leste é obviamente uma referência ao mundo em que vivemos. [...] Que Tolkien era misógino parece-me óbvio [...] mas nesta adaptação contemporânea ao grande écran não terá sido possível usar-se a liberdade artística para o tornar mais adequado à nossa realidade? Pergunto-me, Aragorn não poderia ter sido mulher, mantendo ou potenciando a sua importância como personagem fulcral? E o mesmo vale para Gandalf, Frodo ou até Gollum. A respeito deste último, há algo a dizer. A sua representação no filme é, obviamente, uma evocação do aspecto que o corpo dos doentes com SIDA em estado terminal assume. A demonização era desnecessária, quanto a mim.", ou logo a seguir: "não li os livros" e, mais à frente: "Tolkien é um autor menor. Digo-o sem quaisquer hesitações."

A estupidez expressa nestes trechos raia o inacreditável. Quer dizer: eu até concordo que Tolkien é um autor menor, pese embora ter sido dos mais influentes escritores do século XX, estendendo a sua influência muito para além da literatura. A prosa dele é pretensiosa e chata, as histórias que conta já eram anacrónicas na época em que foram escritas, enfim, é necessária uma boa dose de paciência para enfrentar com sucesso a interminável história de Frodo Baggins. Mas eu li os livros, quer esses três, quer O Hobbit (bem melhor, como literatura juvenil). E é precisamente por isso que posso formar uma opinião sobre eles. Tecer considerandos sobre autores e obras sem nunca lhes ter sequer tocado é simplesmente imbecil. Quase tão imbecil como encontrar no Gollum "uma evocação do aspecto que o corpo dos doentes com SIDA em estado terminal assume", sendo que Gollum, precisamente com aquele aspecto, é descrito em pormenor numa obra escrita algumas décadas antes do aparecimento da SIDA. Nem os mais fanáticos fãs de Tolkien acreditam que o velho senhor inglês teria dotes proféticos.

Por estas e por outras (a historieta do Malkovich também é antológica), custa-me a crer de que quem escreve a Possibilidade do Sentir (e que dizer deste título?) seja mesmo a Anabela Mota Ribeiro. Tenho cá uma desconfiança de que se trata de alguém que não gosta dela a fazer-se passar, escrevendo boutades em cima de boutades, colando-lhe fama de cretina. Parece-me ser essa a melhor explicação para aquilo. Não haverá alguém de bom coração que mande um email à verdadeira AMP, a informá-la do que andam a fazer em seu nome?

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