quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Lido: A Feiticeira do Douro

A Feiticeira do Douro (bib.) é uma novela de fantasia de Eduardo Augusto de Faria já bastante vetusta pois foi originalmente publicada há mais de cento e cinquenta anos. A história tem um ambiente medieval que só não é inteiramente banal porque para os leitores de fantasia de hoje os ambientes medievais típicos remetem para o norte da Europa e não para o norte de Portugal. Este livro, como o próprio título indica, passa-se na região do Douro, e centra-se numa velha bruxa que foi vítima de um hediondo crime passional muitas décadas antes e, depois de andar pelo mundo a alimentar o ódio, regressa para se vingar de quem cometeu o crime e da sua família, armada de feitiços.

Grande tragédia, ao gosto romântico da época, claro está. Sentimentos superlativos e violentos, tiradas tonitruantes, muitos ohs, muita faca e muito alguidar. Quem sabe alguma coisa sobre os velhos clichés das histórias românticas depressa deduz todo o enredo quase aos mínimos detalhes, e Faria segue-o fielmente. Não é grande coisa como escritor, infelizmente, para não dizer que é francamente mau. Ops. Já disse. Falta-lhe rasgo e sobra-lhe banalidade de ideias e de execução. E para piorar as coisas, aqueles diálogos forçadíssimos talvez fossem ao gosto da época (duvido) mas para os olhos de leitores modernos (bem, pelo menos deste leitor moderno) chegam a parecer ridículos. E há muitos, e confusos.

Para mim, a maior curiosidade do livro residiu em algumas formas de organizar as frases, em expressões como me faz, me diz, esse tipo de coisa, que para a maioria dos leitores portugueses de hoje soa muito brasileira, mas não o é. É certo que Faria viveu no Rio de Janeiro (onde esteve envolvido numa série de falcatruas e de onde acabou por fugir para Londres), mas isso foi só depois de ter malamanhado um dicionário de língua portuguesa em Portugal, de ter feito um conjunto de traduções do francês que ao que parece eram horrendas, e de ter escrito e publicado este livro. O homem era português, desonesto e incompetente, não necessariamente por esta ordem. Mas a forma de organizar as frases que muitas vezes apresenta tem, hoje, ressonância brasileira.

Curioso, não?

De resto, o livro só tem o interesse histórico de mostrar que já em meados do século XIX se escrevia em Portugal fantasia de inspiração medieval. Fora isso... É um mau livro, com uma má história mal contada por um mau escritor. Está longe de ser o único. Mas isso também é educativo, porque há por aí muita gente que parece estar convencida de que tal fenómeno é coisa dos últimos 5, vá, 10 anos no máximo. Não é. Muito, muito longe disso.

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