Barbo (bib.), conto curto de Natália Correia, é capaz de ser a mais famosa (e republicada) história de ficção científica portuguesa dos anos 60. Debruça-se sobre os dilemas do protagonista, o Barbo do título, terrestre de um futuro longínquo que, depois da Humanidade ser confrontada com uma catástrofe iminente, é enviado ao centro da galáxia para contactar com uma espécie alienígena que terá, supõe-se, a capacidade para ajudar a resolver o problema. Enquanto peça literária, em especial no que toca ao manuseio da língua, é um bom conto, como seria de esperar da autora; enquanto FC, porém, é bastante mau porque cai numa armadilha comum a muita gente que tenta escrever FC sem conhecimentos científicos para tal: usa o jargão da ciência e da tecnologia apenas como muleta linguístico-poética, num tecnobabble ainda com menos sentido do que o famigerado tecnobabble do Caminho das Estrelas, esventrando de caminho qualquer capacidade de suspender a descrença que as histórias de outra forma pudessem ter.
E além disso, é um conto em que algum misticismo anda de mão dada com muita ingenuidade, inclusivamente política. Bem sei que o tempo não se prestava a grandes clarezas políticas, e que uma espécie de ETs que mantém o equilíbrio do seu ambiente físico através da "harmonia da vontade coletiva" é, nas entrelinhas como tudo tinha de ser feito no tempo, altamente subversiva em ambiente de ditadura fascista, mas permanece o facto de isso constituir um forte óbice ao pleno desfrute deste texto enquanto FC, pois esta se baseia em tornar verosímil aquilo que à partida não o seria e esse tipo de entrelinhas não tem em atenção a verosimilhança. Persegue outros objetivos, bem distintos.
Pessoalmente, e precisamente por isso, até desculpo os contos anteriores a 74 que sofrem deste mal. Mas a muitos outros fãs de FC falta a compreensão, o conhecimento ou a tolerância para o fazer. Contos como este chocam de frente com as suas sensibilidades literárias. E o pior é que esta abordagem à FC não chegou ao fim com o fim da ditadura, antes se prolongou anos 70 e mesmo 80 adentro, através de autores, quiçá influenciados por contos como este, mas sem a capacidade de atualizarem a sua abordagem ao género (os dois exemplos mais claros são o Artur Portela e a Isabel Cristina Pires). Esse é que é, quanto a mim, o principal problema. Este conto, e outros da mesma época, são prejudicados por tabela pela falta de qualidade de obras posteriores que tornam difícil avaliá-los por si mesmos.
Tudo isto para dizer que sem se ter uma noção do contexto em que Barbo foi escrito não me parece possível que algum fã atual de ficção científica consiga gostar dele. Eu, mesmo com o contexto presente, não gostei lá muito.
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