segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Spam fiction (11)

O terrível destino de Santana Nobre


Baseado num spam intitulado "miuui Natural peniss enlaarrge"


Santana Nobre era um homem atraente, pelo menos na imagem que tinha de si próprio. As mulheres eram o seu meio, e era no mar de saias, seios e perfumes que se sentia confortável, embora fosse frequente ver-se atirado para a praia pelas ondas desse mar. Quando tal acontecia, resmungava numa voz prestes a desfazer-se em lágrimas que não era possível entender as mulheres, mas rapidamente esquecia estas tristezas e mergulhava de novo entre aquelas que não conseguia entender, lançando-se muitas vezes de costas para ter como dizer mais tarde que fora o mar que o fora a terra resgatar.
De sereia em sereia, de duche de areia em duche de areia, foi Santana Nobre saltitando ao longo dos anos. Nunca ancorou em nenhum baixio, pois cada onda de vestido o arrastava na sua esteira. Mas à medida que os primeiros cabelos brancos iam nascendo, à medida que as entradas se iam entreabrindo, começou a sentir cada vez maior dificuldade em achar-se dentro de águas femininas. Ele bem mergulhava, mas rapidamente a rebentação ia dar consigo encalhado em terra, sacudindo os restos de algas que faziam as vezes de recordações, tentando sem sucesso limpar-se da areia que se lhe entranhava nos calções. E depois aí ficava durante períodos cada vez mais longos, dividido entre a vontade de voltar a mergulhar e o medo de se ver de novo dolorosamente arrastado para terra. Intercalava estas épocas melancólicas e lentas com outras em que se dedicava a mergulhos sucessivos num frenesi de peixe-voador perseguido pela desgraça.
Santana Nobre não entendia o que se passava. Que a idade estivesse a afectar o seu sucesso junto do género feminino, o qual, apesar do que pensava de si próprio, nunca fora grande coisa, não lhe entrava na cabeça. Que diabo, pensava, toda a gente sabe que elas se pelam por uma cabeleira grisalha e uma barriguinha bem tratada. É ou não é?
Um dia teve um esboço de resposta, quando, num dos inúmeros mergulhos no mar de estrogénios que ocupavam por esses tempos a maior parte dos seus dias, surpreendeu duas raparigas a falar dele.
— O Santana — dizia uma — é um desastre.
— E ridículo — ria-se outra. — Reparaste no gel que ele anda a pôr no cabelo para ver se não se nota que está cada vez mais careca?
— Nem me fales — retorquia a primeira. — Mas o pior de tudo nem é isso.
— Pois não — aprovava a segunda. — Não sei como é que ele não se apercebe que aquilo não dá nem para começar.
— Pois é — descambava a primeira — aquilo, decididamente não é pau que se apresente.
— Sabes como é que lhe chama a Aninhas? — ria-se a segunda.
— Diz! — gargalhava a primeira.
— O Pilinhas! — rebolava-se a segunda, logo seguida pela primeira numa revoada de risota que parecia canções de baleias em fast-forward.
Foi então que pela primeira vez na sua vida, Santana Nobre saiu do mar de sua livre vontade e pelo seu pé, arrastando-se lentamente para a praia como um leão marinho exausto e ferido, no fim da migração.
Pilinhas!
Chamavam-lhe Pilinhas!
Sentado num rochedo debruçado sobre o mar, envolto em cheiro a maresia e coberto de salitre, estremecendo a cada onda que se quebrava na praia, julgando entreouvir no seu rugido milhares de feminis gargalhadas, ficou um longo tempo acabrunhado, uma sombra do Santana Nobre confiante de outrora, curvado sob o peso de várias camadas de pena por si próprio.
Pilinhas!
O raio das mulheres chamavam-lhe Pilinhas!
Que fazer?
Passaram-se vários dias nesta indecisão. Santana Nobre descurava-se, deixava que o sol lhe secasse o gel na cabeça em pequenas partículas quebradiças que o vento arrastava para longe, despenteando-o, descaracterizando-o, não reagia quando salpicos da rebentação lhe traziam aos lábios o familiar cheiro a fêmea, o que antes teria sido suficiente para se julgar chamado, desejado, imprescindível, e para se atirar do rochedo para o mar. Decididamente, não era o mesmo. Coberto por uma melancolia incaracterística, Santana Nobre definhava devagar, evaporando-se em desinteresse.
Fosse pelo que fosse, talvez porque estar inteiramente imóvel e inactivo é, paradoxalmente, actividade que cansa mais do que fazer alguma coisa, talvez numa tentativa subconsciente de recuperar algum controlo sobre a sua vida, talvez como terapia de substituição, talvez por outro motivo qualquer, o certo é que Santana Nobre começou aos poucos a prender a sua atenção, todos os dias, nas nuvens de mensagens que lhe passavam pelo céu e a que nunca dera mais que uma fugaz olhadela. Apreciava as suas configurações, avaliava a forma como se sobrepunham, ultrapassavam ou fundiam, vislumbrava nelas significados ocultos, enfim, começava a conhecê-las.
Um dia reparou numa que lhe causou uma viva impressão. Atravessando o céu a grande velocidade, tornando difícil a leitura, esta mensagem vinha numa versão encriptada de inglês e dizia, simplesmente:

"miuui Natural peniss enlaarrge"

Seguia-se um número de telefone e a promessa de "Guarrantied resultss".
Foi o fim da melancolia de Santana Nobre. Por fim, tinha de novo esperança, tinha de novo algo que o incentivasse. Por fim, recuperara a imaginação, que se antes só lhe servira para criar a sua auto-imagem de garanhão irresistível, agora voltava a criar essa mesma auto-imagem, mas desta vez de uma forma diferente, menos centrada na sua figura geral, mais centrada numa particular característica da sua figura. Já se imaginava, nu, ou então vestido de forma reveladora, a exibir o seu novo e multiplicado pénis, rodado de ohs e risinhos, não já de troça mas de admiração.
A ver se alguém iria ter coragem de lhe continuar a chamar Pilinhas!
Telefonou para o número que vinha na mensagem, fez e encomenda e ficou à espera. Durante esse tempo nem se aproximou do mar feminino, limitou-se a aproveitar as noites de vento favorável para subir à varanda recolher o seu cheiro e sonhar com um futuro risonho.
Quando o "mui natural penis enlarge" chegou, descobriu tratar-se de três comprimidos esverdeados, envoltos em papel de prata e acompanhados por uma receita que indicava que o tratamento consistiria de um comprimido ao deitar durante um fim de semana (sexta, sábado e domingo), noites de sono descansado e muito repouso durante os dias. Como não fazia nada que se visse com a sua vida, e como recebera o embrulho a uma terça-feira, Santana Nobre decidiu que não valia a pena esperar pelo fim de semana e nessa mesma noite tomou o primeiro comprimido.
Cumpriu o tratamento à risca nos dias seguintes, passando as noites a dormir e os dias a ouvir música disco, deitado no sofá, e a dormitar. Sempre que acordava, pegava numa régua e media-se cuidadosamente, ao milímetro, anotando o resultado num papel que preparara de antemão.
Os resultados foram-no desapontando. Ainda teve uma alegria quando tomou o segundo comprimido, na quarta-feira, pois o pénis media-lhe mais 4 milímetros do que na véspera, mas ao longo de quinta-feira o resultado da medição foi variando de forma aparentemente aleatória e à noite, após o comprimido, media menos dois milímetros do que na primeira medição. Nessa noite deitou-se deprimido, teve dificuldade em adormecer e acabou por dormir pouco, o que também se terá devido às sestas que dormira durante o dia. A sexta-feira foi, de novo, um dia melancólico e a banda sonora mudou de disco para fado, com Santana Nobre cada vez mais convencido de ter sido enganado, de que os comprimidos de nada valiam e de que iria continuar a ser conhecido por Pilinhas no futuro mais próximo e, quem sabe, no mais longínquo, salvo se se afastasse de vez do género feminino, o que talvez fosse mais deprimente ainda do que ser perseguido por aquela alcunha. Mas decidiu, apesar de tudo, levar o tratamento até ao fim, e foi com uma tristeza obstinada que engoliu o comprimido de sexta-feira e foi para a cama.
Nessa noite teve uma série de sonhos estranhos, que, se ele tivesse algum conhecimento da cultura literária do século XX, teria sem dúvida associado ao escritor checo Franz Kafka. Coisas relativamente normais transformavam-se em coisas decididamente estranhas, o pequeno passava a ver-se gigantesco, braços e pernas transmutavam-se em pequenos bolbos inúteis e cobertos de pêlos rijos, homens metamorfoseavam-se em seres grotescos, cuja forma nunca chegava a fazer-se clara nos filmes que a sua cabeça ia criando. Apesar dos sonhos, dormiu a noite inteira, sem sequer acordar para a tradicional ida à casa de banho das 5 da manhã, o que também teve, à sua maneira, algo de bizarro.
O sábado acordou solarengo e Santana Nobre acordou tarde com o sol a entrar-lhe pela janela. Sentiu-se de imediato estranho, talvez flácido demais e, ainda muito estremunhado, pensou que se calhar o tratamento tinha acabado por fazer efeito, o que serviu de motor e roldanas para que saltasse da cama e se encaminhasse para o maior espelho da casa, tropeçando em pernas que de repente lhe pareciam excessivamente curtas.
Ao olhar para o espelho, ficou horrorizado, cambaleou e acabou por cair, sem sentidos. Esperara ver um grande pénis a sobressair do seu púbis, rodeado do Santana Nobre de sempre, com o físico de sempre, a cara de sempre e o gel de sempre no cabelo (sim, regressara com a renovação da esperança). Em vez disso, no entanto, viu apenas um grande pénis. Apenas um grande pénis a olhar para si através de olhos implantados incongruentemente na superfície da glande, braços fininhos e negros, com uma forma que dava a sensação de encaracolamento e que se projectavam da porção intermédia do cilindro e umas pernas que se pareciam estranhamente com testículos.
Ninguém sabe o que lhe aconteceu depois, porque nunca mais ninguém o viu. De certo, fica só uma coisa:
Nunca mais ninguém lhe chamou Pilinhas.

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