A Queda de Roma, Antes da Telenovela é um conto de FC política, de Luís Filipe Silva, sobre um político da velha guarda mergulhado num admirável mundo novo em que a política propriamente dita foi substituída por tecnocratas que gerem a coisa pública como se de uma empresa se tratasse e o sistema tem como base referendos a propostas colocadas online. Há um pouco mais de sofisticação no sistema, descrito num longo infodump, mas em resumo é isto. O protagonista está convencido de que na busca da eficiência levou a sociedade à perda de visão de futuro, e por isso prepara uma última proposta para acabar a sua carreira em apoteose, um ambicioso plano que, julga ele, poderá devolver à sociedade a chama que lhe falta.
É um conto interessante, que coloca questões relevantes e que ressoam com demasiada familiaridade em certos aspetos da atual situação política da Europa, apesar das distâncias e das diferenças. Gostei, embora não me tivesse entusiasmado. Compreendo, por exemplo, o velho obsoleto, isolado e algo ludita, em contraponto com uma noosfera praticamente monolítica, como artifício literário necessário para o autor chegar onde quer chegar, mas acho que tem como consequência uma diminuição da verosimilhança global da história. É que não só não me parece crível que alguma vez se atinja uma tal uniformidade de ideias sem alguma espécie de controlo externo dos pensamentos, como o que normalmente acontece é que é quem tem ideias novas a ficar isolado perante um mar de incompreensão, não quem as tem antigas. Quanto mais não seja porque estas são bastante mais familiares do que aquelas, a menos que a sociedade sofra de alguma espécie de violenta amnésia coletiva.
Afinal, até em Fahrenheit 451, os rebeldes da sociedade alienada que Bradbury descreve são um grupo razoavelmente numeroso de pessoas, não um indivíduo isolado.
Todavia, o próprio facto do conto gerar este tipo de reflexões é testemunho da sua qualidade. Não se trata de uma FC de mascar e deitar fora e isso, para mim, é bom.
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