Ajolote é um conto de ficção científica do argentino Santiago Oviedo que postula um futuro biologicamente distópico, no qual a humanidade caiu vítima de uma epidemia para a qual não se consegue encontrar cura, ao mesmo tempo que as cidades vão submergindo, provavelmente inundadas em consequência do aquecimento global, muito embora isso nunca chegue a ser afirmado taxativamente. Pareceu-me um conto muito bem escrito, com uma linguagem cuidada, em especial no princípio, embora caia aqui e ali em infodumps que não me parecem particularmente bem interligados com o resto do conto. À parte essa questão dos infodumps, também me pareceu bem elaborado, no sentido de ter tudo mais ou menos no sítio certo. Um bom conto, portanto?
Mais devagar.
É que no que toca às ideias... custou-me muito engolir algumas. Há a recuperação de velhos conceitos New Age sobre a Terra como organismo vivo e consciente, a teoria de Gaia. Há uma certa atmosfera ludita, que encara o Homem e a sua tecnologia como uma doença que Gaia tenta expulsar. É isso que explica a epidemia. O Homem e a civilização que construiu estão a ser exterminados por uma espécie de sistema imunológico (e vão ter de ler para ficarem a saber qual é o principal — ou será único? — vetor desse sistema) de Gaia-enquanto-superorganismo, como se não passássemos de bactérias ou de vírus.
São ideias razoavelmente comuns nos meios ecologistas, mas eu julgo que são profundamente erradas e que fazem mais mal que bem. Não vou entrar aqui numa discussão dos motivos mas, em pinceladas muito esquemáticas, posso dizer que têm a ver com o facto de que num sistema biológico tudo influencia tudo, tudo tem impacto no sistema como um todo e, consequentemente, nós não somos exceção, e com eu pensar que a tecnologia é uma ferramenta, moralmente neutra, que tanto pode ser usada para criar os problemas como para os resolver. Não creio que o problema seja de tecnologia, ou sequer de natureza humana. Creio que está na ideologia, na ignorância e na atitude perante a sociedade e o mundo que nos rodeia, tudo coisas alteráveis, com maior ou menor esforço.
Portanto não, não creio que este conto seja bom. Mas é, isso com toda a certeza, um conto interessante. Um conto com sumo. E isso, só por si, é bom. Mas nada como avaliarem por vós próprios. O conto está aqui.
Jorge, dizes que estas «são ideias razoavelmente comuns nos meios ecologistas». Ora, mesmo substituindo "ecologistas" por "ambientalistas", esta afirmação não corresponde à realidade que eu conheço, principalmente no meio ambientalista português.
ResponderEliminarP.S.: E desculpa lá só comentar para “dizer mal” — após ter acabado de ler uma dúzia de postas em que achei tudo muito bem! (E, ena!, meti neste comentário os três tipos de aspas, uma vígula seguida a um ponto de exclamação, e ainda uma vígula de Oxford!)
Repara que eu não digo que são predominantes. Acho, de facto, e pelo que tenho visto, que são comuns (e és capaz de ter razão na dicotomia ecologistas/ambientalistas), mas não creio que predominem. São comuns mas minoritárias no mesmo sentido em que é comum cruzarmo-nos com imigrantes de Leste nas ruas.
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