quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sobre RSI, caridadezinha e burrice

Estou positivamente farto do Mota Soares e de toda a supinamente imbecil conversa do CDS sobre aquilo a que se costuma chamar Rendimento Mínimo ou, na simpática terminologia da extrema-direita, "subsídio à preguiça". Porquê?

Façamos uma experiência de lógica, sim?

Para princípio de conversa, é falso que quem esteja a receber o RSI seja alguém que não quer trabalhar. É igualmente falso que os recebimentos sejam fraudulentos. Haverá casos de ambas as coisas, sem dúvida, mas a maioria dos casos não é assim, em particular numa altura como a que atravessamos em que o desemprego sobe de forma galopante e há todos os dias novas famílias a cair em situações de carência absoluta, com vontade de trabalhar ou sem ela.

Mas para a nossa experiência de lógica suponhamos que sim. Suponhamos que todos os beneficiários do RSI sejam gente que não quer trabalhar e/ou pessoas que recebem o "subsídio à preguiça" de forma fraudulenta. E perguntemos a nós próprios o seguinte: que fará essa gente se o RSI lhes for cortado?

A resposta não é difícil de encontrar, até porque é o próprio governo a incentivar a alternativa.

Essa gente salta do RSI para a caridadezinha. Passa a frequentar as misericórdias, a comer nas sopas dos pobres, torna-se subitamente muito católica, muito agradecida a nosso senhor. Porque é evidente que para quem não quer trabalhar tanto lhe dá se a comida é entregue pelo Estado ou pela Santa Madre ICAR, e quem engana o Estado não terá o mínimo escrúpulo em enganar o padre ou as beatas da Misericórdia.

Certo?

Só que há aqui um mas. E o mas é que iniciativas como o RSI sempre vieram com regras e fiscalização atrás. Não é um regabofe, um fartar vilanagem. Umas e outras serão insuficientes, porque o são sempre, mas existem. E isso quer dizer que há algum controlo sobre se aquelas pessoas estão realmente a (re)inserir-se na sociedade ou não, se realmente precisam dos apoios ou se se estão simplesmente a aproveitar deles.

E na caridadezinha não há.

Na caridadezinha é o fartar vilanagem.

Recentemente morreu o padre aqui da minha zona. Era um homem bom (há uns quantos), que oferecia refeições aos necessitados, e era o primeiro a admitir que não fazia a mínima ideia se as pessoas que lhe apareciam seriam realmente necessitadas ou não. Nem tinha como saber. A operação que geria não tinha fiscais; era ele e um punhado de voluntários. Se ele não fosse um homem bom (também há uns quantos; eu acho que muito mais numerosos do que os bons, vocês lá saberão o que acham), provavelmente faria o controlo de uma forma simples e pragmática: vais à igreja, mereces, não vais, não mereces. Mas aquele era um homem bom, portanto todos os que lhe iam bater à porta eram servidos.

E a caridadezinha é isto.

Portanto, as mesmas pessoas preguiçosas e fraudulentas que na nossa experiência mental deixam de receber RSIs fiscalizados passam a ir servir-se, com total à-vontade e desfaçatez, à caridadezinha dos homens bons, ou então a submeter-se às regras arbitrárias e motivadas por coisas bem menos nobres do que o apoio a cidadãos caídos em situação de carência da caridadezinha dos homens maus.

Qual dos dois sistemas é o melhor? Caridadezinha ou RSI? Eu não tenho a mais pequena dúvida: o RSI. Mesmo se todos os seus beneficiários forem os canalhas e abusadores de que a extrema-direita tanto gosta de falar. E como nem todos o são, como a maioria não o é, mais ainda. Porque acho peferível que alguns vigaristas se escapem entre as malhas da fiscalização do que não haver fiscalização alguma ou uma fiscalização arbitrária baseada em critérios que nada têm a ver com as reais carências das pessoas.

Porque, em suma, substituir um sistema em que existe uma fiscalização imperfeita por outro em que a fiscalização é coisa nenhuma é, numa palavra, uma burrice.

2 comentários:

  1. Não me parece que esse tal de "Mota Soares" e a malta da direita estejam muito preocupados com a vilania que poderá se abater sobre homens de bem. Apenas homens de bem se preocupam com tal coisa...

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