segunda-feira, 17 de março de 2014

Lido: A Origem das Espécies

A Origem das Espécies é um livro que dispensaria apresentações se não fossem tantos os que dele falam sem nunca o terem lido. Esse facto faz com que não só a apresentação se torne necessária, mas até talvez indispensável. Portanto vamos a ela.

A Origem das Espécies é a obra mais conhecida de Charles Darwin, na qual esse famosíssimo naturalista inglês explana e defende a sua teoria sobre a formação e evolução das espécies biológicas. Em vida, Darwin fez várias edições deste livro, e esta que o Público publicou é pelo menos a terceira. Uma referência, algures no volume, a qual edição, ao certo, é aqui traduzida teria sido útil, porque Darwin foi, em cada edição, atualizando o texto, somando-lhe respostas a ataques e contestações à teoria, clarificando certos aspetos e reformulando pormenores cuja natureza e explicação foi sendo afetada por novos conhecimentos.

Ou seja, trata-se de um livro científico até ao âmago, refletindo até na sua história de publicação a natureza eternamente incompleta e dialética do conhecimento científico. A ausência de uma referência a esse facto nesta edição é uma das suas grandes falhas, em especial quando praticamente todos os outros livros publicados na coleção em que este se insere ("Livros que Mudaram o Mundo") são de uma natureza bem distinta. Na verdade, até o próprio título da coleção pode induzir em erro. Não creio que tenha sido tanto o livro de Darwin a mudar o mundo, mas a filosofia e metodologia que lhe está subjacente: o método científico. Este livro é apenas filho do método científico. Um filho dileto, certamente, mas um filho mesmo assim. O método precede-o e sucede-o, e o livro em si é apenas dele consequência.

Mas, meus caros amigos, que consequência!

Trata-se de um livro brilhante, no qual Darwin explana extensamente as suas ideias sobre a evolução, explicando o raciocínio que esteve na sua génese (muitissimo simplificadamente: Darwin encontrou um paralelismo claro entre a criação das variedades nas espécies domesticadas e o surgimento de variedades em tudo semelhantes em espécies selvagens; todo o edifício teórico nasceu daí, concentrando-se o cientista em seguida nos mecanismos que poderiam substituir, na natureza, a ação que em cativeiro é desempenhada pelo homem). E fá-lo sem nunca fugir às maiores dificuldades que a teoria enfrentava no seu tempo, reconhecendo com frequência o caráter insuficiente do conhecimento científico da sua época, mas considerando que aquilo que já era conhecido era suficiente para que a sua explicação para como e porquê a natureza está repleta de variedade fosse a mais apoiada pelos factos.

Lembremo-nos de que na época de Darwin factos fulcrais como a deriva continental ou a existência do ADN eram completamente desconhecidos. Até a realidade do tempo geológico estava envolta em densas brumas, e o máximo de que os geólogos eram capazes eram ideias vagas baseadas em grande medida na velocidade de criação de depósitos sedimentares. Começava-se apenas a ter alguma solidez na ideia de que a Terra, e por conseguinte a vida na Terra, existiu durante uma quantidade praticamente inimaginável de tempo antes de ser marcada pelas primeiras pegadas humanas.

Com estas limitações, a correção genérica da teoria darwinista é absolutamente notável. Tal como notável é o rigor e honestidade intelectuais, e a dedução lógica sempre baseada em factos tão sólidos quanto possível, com que ele chega à teoria. Obviamente, nem tudo o que escreve neste livro é verdade. Seria impossível que fosse, e o próprio Darwin o reconhece, dando como exemplo do porquê algumas ideias que ele próprio nutriu em tempos e depois abandonou por terem colidido com novas observações. Mas não há qualquer dúvida de que Darwin fez o melhor que alguém poderia fazer com os dados que tinha à disposição. Incluindo a sua explanação a uma vez rigorosa e didática, inteiramente legível por qualquer pessoa que tenha um conhecimento mínimo destas matérias (ainda que para melhor apreciar o livro convenha ter mais do que um conhecimento mínimo, em especial no que toca à história da ciência).

A Origem das Espécies é, sem sombra de dúvida, um grande livro. Não terá mudado o mundo, mas anunciou ao mundo que ele estava a mudar. Para grande incómodo de algumas pessoas, incapazes de compreender que a realidade é o que é, independentemente de acreditarem nela ou não. Que o incómodo e alguma polémica (inteiramente estéril, diga-se de passagem) perdurem ainda hoje, mais de cento e cinquenta anos depois da publicação desta obra, é eloquente testemunho do poder que as ideias falsas podem ter quando demasiado entranhadas em psiques mais avessas ao pensamento.

Para o leitor português há ainda um motivo adicional de interesse: o papel central que os nossos arquipélagos atlânticos, e em especial o da Madeira, têm no argumentário de Darwin. Estamos habituados a associar Darwin e este seu livro às ilhas Galápagos, mas a verdade é que a Madeira surge nas suas páginas com muito maior frequência.

Este livro foi comprado.

(e finalmente terminam as opiniões de leitura referentes a... 2013!)

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