A Marcha Sobre Lisboa (bibliografia) é um conto de história alternativa de Octávio dos Santos, ambientado em 1933, ano em que, na história verdadeira, foi proclamada a constituição fascista que marca o início do período do Estado Novo embora não o da ditadura; essa já vinha desde 1926. Mas aqui não há ditadura: Portugal é um regime monárquico (o ponto de divergência estará, portanto, em algum ano até 1910) e o rei, D. Luís II, é benévolo. Aliás, é benévolo, corajoso e decidido, um exemplo a seguir por todos entre fanfarras heroicas. É uma tese comum entre os monárquicos: a de que uma monarquia poderia ter salvo Portugal da longa ditadura de Salazar, apontando para o que sucedeu na vizinha Espanha após a morte de Franco... mas geralmente esquecendo-se de que entre as nações do Eixo na Secunda Guerra Mundial só a Alemanha não era uma monarquia, tal como monarquias eram também as outras três nações europeias que se aliaram a alemães, italianos e japoneses: a Áustria, a Hungria e a Roménia. Santos não se esquece, mas quase: faz uma brevíssima menção a Vítor Emanuel, o último rei da Itália.
Em todo o caso, o conto, que relata uma tentativa de implantar uma ditadura em Portugal, liderada por Salazar e claramente inspirada na marcha sobre Roma de Mussolini, poderia ser interessante se não fossem duas coisas, que se interligam uma à outra: o tom de propaganda e o estilo. Aquele vê-se em duas ou três dissertações sobre a situação política e económica (isto e aquilo), infodumps que poderiam ser bem mais curtos se não servissem principalmente para exaltar as qualidades do regime monárquico, e sobretudo no tom exclamativo, exaltado e exaltante com que tudo o que rodeia el-rei é tratado, chegando ao ponto de bastar um olhar a D. Luís para silenciar um dos acompanhantes de Salazar. Já este é bastante fraquinho, hiperadjetivado, em especial no início (o rei é "sábio e ponderado", Duarte Pacheco, logo a seguir, é "inventivo e incansável" e por aí fora, isto e aquilo, isto e aquilo, isto e aquilo), e mostrando do princípio ao fim uma preocupação dir-se-ia patológica por deixar cair nomes.
São nomes em catadupa e apenas nomes de gente conhecida, como se outro regime político não tivesse o mais pequeno impacto na composição das elites. Até o pobre do Álvaro Cunhal se vê envolvido naquele rio enciclopédico... o que é uma boa ilustração de outro problema com este conto, infelizmente muito comum em trabalhos de história alternativa. Cunhal, que nasceu em 1913, teria nascido já depois do ponto de divergência... e no entanto ali está, igualzinho ao nosso Cunhal, embora monárquico, como se alterações da história global das nações não tivessem qualquer influência nas histórias individuais das pessoas que as compõem, quando a verdade é que basta mudar a hora do ato de conceção para já ser outro o espermatozoide a fecundar o óvulo e portanto já ser outro o indivíduo que dele resulta.
Em suma: muito fraquinho.
Contos anteriores deste livro:
Não. Comentários insultuosos de maus autores despeitados no MEU blogue, não.
ResponderEliminarTêm blogues, encham-nos com o lixo que quiserem. Aqui exijo um mínimo de higiene.