quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Lido: Beterraba: A Vida Numa Colher

Beterraba: A Vida Numa Colher é um álbum de BD do português Miguel Rocha, bastante estranho por vários motivos, o que neste caso é qualidade.

Quando há algum tempo falei da minha relação com a BD, disse que a vertente gráfica do género nunca me interessou muito e que, portanto (embora não por estas palavras), aquilo que menos me sinto qualificado para avaliar num álbum de BD é a sua parte gráfica. E isso levanta-me um problema com este álbum do Miguel Rocha: a vertente gráfica (francamente invulgar... tanto quanto a minha fraca cultura de BD consegue avaliar) é aqui absolutamente fulcral.

A capa dá uma boa ideia do grafismo de todo o álbum: cores fortes, saturadas e muitas vezes inesperadas (céus esverdeados ou vermelhos vivos, por exemplo) e desenhos que parecem apenas esboçados em pinceladas largas, como se se tratasse de pinturas impressionistas, criam uma experiência de leitura muito diferente de toda a BD que eu tinha lido até este álbum. Lê-lo foi, portanto, quase como descobrir um género inteiramente novo. Vou tentar explicar em que medida.

Quando leio um álbum "normal" de BD, os olhos primeiro captam o todo da imagem (mais raramente da página) e de seguida põem-se a saltitar de pormenor em pormenor ou de pormenor em balão. Mas aqui não há muitos pormenores, o que causa uma espécie de corte no processo e leva a uma preponderância maior do texto. Mas ao mesmo tempo, a força da cor chama a atenção para as imagens, afastando-a do texto (e o tipo de letra usado, que não é tão claro como poderia ser, também contribui para isso), o que tem como resultado uma sensação de certa forma paradoxal. E, para mim, um bom bocado incómoda.

Junte-se uma história bizarra, ambientada num lugar não identificado mas com inconfundíveis traços alentejanos, sobre um homem, de alcunha Beterraba, que cisma que dê lá por onde der há de arrancar beterrabas a um terreno estéril e improdutivo, surdo a todos os avisos, numa obstinação inabalável, não só se mergulhando a si na obsessão, mas também à mulher que a dado passo arranja e a uma autêntica ninhada de filhas que a mulher vai pondo no mundo com o passar do tempo, encerrando-se, e a elas, numa espécie de mundo privativo, onírico, fantástico e surreal. De resto, a própria falta de definição das imagens ajuda a tornar toda a história mais onírica, assemelhando-a a um daqueles sonhos de cujas imagens nos lembramos vagamente ao acordar.

Dir-se-ia pelo que acima ficou dito que gostei muito deste álbum, não é? Mas não. Gostei de o ler, é verdade, mas não muito. Em parte por questões de gosto (julgo que a sua qualidade é superior ao prazer que a leitura me causou, consequência de eu preferir a BD mais "limpa"), mas também porque a falta de detalhe de algumas das imagens prejudicou a compreensão das cenas... e por causa de uma calinada que me irritou de tal forma que pus o livro de parte durante vários dias, até a esquecer. Com que então, caro Rocha, os filhos "saem há mãe"? Ugh!

Mas que me parece uma experiência muitíssimo interessante, isso sem dúvida. Mesmo não sendo eu bedéfilo.

Mais um livro comprado.

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