domingo, 13 de julho de 2003

Como estaremos dentro de 20 anos?

O Smaug continua a perguntar como estaremos dentro de 20 anos lá nas suas Incongruências. O diagnóstico que ele faz, embora contestado pelos liberais, é certíssimo: a tendência é claramente o desaparecimento de emprego, com a crescente sofisticação do software, quer na indústria, quer agora também nos serviços.

Olhando para a história, vê-se que em todas as revoluções tecnológicas houve transferências consideráveis de mão-de obra de uns sectores para os outros. Começando com a revolução industrial, as fábricas absorveram uma mão-de obra miserável proveniente da agricultura de subsistência, ao mesmo tempo que novas técnicas de produção agrícola a tornavam mais eficiente e a industrializavam. É bom notar que isso ainda está hoje a acontecer, inclusivamente nos países mais desenvolvidos. Um efeito secundário tardio foi o aparecimento da sociedade de consumo, com um aburguesamento de fatias consideráveis da população de alguns países, que tiveram pela primeira vez dinheiro para consumir. Se não fosse o facto de que tudo isto se baseou na exploração desenfreada de recursos e mão-de-obra coloniais e pós-coloniais, nesta fase poder-se-ia reconhecer um mínimo de seriedade na ideia de triunfo do sistema capitalista liberal.

Com a automatização do fabrico, aparece outro fluxo, que ainda está em curso, com a tercearização do trabalho. A mão de obra sai das fábricas, que passam a ser mantidas por quantidades pequenas de trabalhadores qualificados e por grandes exércitos de máquinas robotizadas, e transfere-se para os serviços.

A tendência é, no entanto, a substituição também do trabalho nos serviços por trabalho informatizado e, consequentemente, de trabalhadores por computadores. A consequência é clara: desemprego em massa. Porquê?

Porque seguindo o modelo de deixa-andar económico e social que tem sido seguido pelo ocidente (e em grande medida imposto pelos Estados Unidos, dada a sua condição de economia mais forte, e pelos grande barões da finança, uma vez que a curto prazo ainda é esse o caminho mais lucrativo), a eficiência aconselha a substituição de trabalhadores por software sofisticado, e esses trabalhadores não terão qualquer sítio para onde ir. Toffler, nos seus velhos livros acerca da "terceira vaga", fala numa utopia em que as pessoas poderão estar finalmente livres das tarefas repetitivas, prontas a desenvolver trabalho criativo, mas esquece-se de duas coisas: que a maior parte das pessoas não são criativas, e que uma actividade criativa só permite a sobrevivência ao seu autor se tiver público em quantidade suficiente, o que implica muito mais gente a consumir do que a criar. Não haverá um sector "quaternário" na criatividade, capaz de absorver os desempregados dos serviços.

A tendência é clara: um aumento limitado no trabalho de criação, o enriquecimento até níveis absurdos de uma elite minúscula ligada aos fluxos de capital e à especulação, uma faixa da população empregada naqueles serviços que não ficam bem substituídos por máquinas (a criadagem, por exemplo - e falo de criadagem em sentido lato), uma outra faixa que permanece empregada desenvolvendo trabalho inútil, numa maquinaria burocrática que se auto-alimenta, especialmente, mas não só, ligada aos Estados, e uma enorme massa de desempregados e sub-empregados, constantemente em movimento em torno do globo, à procura do que não existe: um emprego estável.

Isto é um mundo à beira do colapso. Rapidamente as assimetrias cada vez maiores se transformam em raiva e esta facilmente se capitaliza para a violência e para todos os fanatismos. Já assistimos a isso hoje em dia, com o terrorismo globalizado que se exerce contra os centros de poder e os principais promotores destas opções económicas. Torna-se então necessária aos estados a criação de mecanismos de segurança, e aqui cria-se emprego. Mas o problema é que os estados não terão dinheiro suficiente. É que os impostos que os Estados recebem tenderão a vir apenas dos trabalhadores criativos, da criadagem e das faixas de empregados dos próprios Estados. As empresas ficarão de fora, porque na competição global, os estados tenderão a acenar com vantagens fiscais cada vez maiores para atrair investimento e/ou evitar que ele fuja para países e regiões vizinhas. O resultado é que os estados deixam de ter dinheiro para cumprirem as suas funções e começam a colapsar e/ou a ficar dependentes das corporações mais poderosas. Isso, aliás, já hoje acontece: há países no Terceiro Mundo que são praticamente propriedade de multinacionais. A consequência final deste sistema deixado a si próprio é o colapso total, pois as próprias empresas só se mantêm enquanto tiverem por um lado quem possa comprar os seus produtos e pelo outro quem possa produzi-los. É o triunfo da entropia. Viram o filme Mad Max? É qualquer coisa do género.

Claro que isto não é inevitável. Há caminhos alternativos que passam pela imposição de limitações severas à lógica do mercado livre, pela localização da produção, por esquemas de solidariedade local, enfim, pela maioria das medidas que se sugerem na Agenda 21, que podem ajudar a um desenvolvimento sustentável. Medidas completamente anti-liberais e algumas claramente socializantes.

O problema é que este caminho é menos viável a curto prazo, quando visto pela lógica pura do mercado. E como os liberais sofrem duma miopia cerebral congénita são incapazes de compreender que existe algo para além de um horizonte de 5 anos, que existem problemas que se não forem resolvidos hoje não terão solução amanhã e que o caminho que seguimos só pode desembocar em catástrofe. Pior: quem nos gere, os profissionais da política que elegemos (ou, no caso dos americanos, que o tribunal nomeia) sofrem da mesma miopia em forma agravada, porque planeiam as coisas a uma legislatura, de forma a tentarem ganhar as eleições seguintes ou, caso isso não seja possível, deixar as coisas tão más para quem os substituir que tenham uma boa hipótese de regressar ao poder logo a seguir.

E pior ainda: quem tenha ideias diferentes, quem pense pela própria cabeça em vez de seguir a velha cartilha que não põe nada de importante em causa, é activamente perseguido e silenciado. No mundo que nos espera, ou aceitas tudo e manténs-te dentro do sistema durante mais uns anos, talvez os sufiententes para acabar de pagar a casa ou o carro, ou o teu destino é o desemprego.

Duvido que alguém tenha lido até aqui, mas se alguém o fez fique sabendo que tudo isto é um resumo resumidíssimo e que se dissesse tudo escreveria aqui um livro...

Seja como for, perdão pelo post atípico. A spamesia segue dentro de momentos.

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