quinta-feira, 31 de julho de 2003

Pico-entrevista ao Prazer Inculto

Hoje a pico-entrevista chegou mais tarde, e pelo facto pedimos desculpa. Fui falar com o Possidónio Cachapa, dono do Prazer Inculto, e perguntei-lhe:

LM - Os prazeres incultos cultivam-se?
Prazer Inculto - O que se cultiva é a disponibilidade para deixar os campos naturais. Isto é, para que surjam flores complexas, fruto de aturado estudo e gosto pelo artificial, mas também plantas simples que necessitam que nos debrucemos sobre elas para que se perceba não serem agradáveis aos olhos e ao olfacto, por acaso...

Por esta resposta, tenho cá uma impressão que o homem deve ser escritor...

quarta-feira, 30 de julho de 2003

Pico-entrevista ao Socio[B]logue

A pico-entrevista de hoje teve como alvo um dos blogs mais agitadores de massa cinzenta da blogosfera portuguesa, o Socio[B]logue. Como sempre, a pergunta é só uma:

LM - Quantos sócios tem o blogue?
Socio[B]logue - O blogue tem tantos sócios quanto os blogues que o sócio tem.

Lapidar, meus caros. Lapidar.

terça-feira, 29 de julho de 2003

Geo-Tremeliques

Hoje não se fala de mais nada aqui pelo sul. A pergunta "Sentiste?", que geralmente está reservada para ocasiões mais íntimas e para tons de voz mais suaves, é deixada cair em todas as conversas com um brilho de excitação a bailar nos olhos, e dela nascem gargalhadas e confissões de medos e de actos despassarados. Outros revelam-se dorminhocos, e declaram com uma certa pena não ter sentido nada, sentindo-se talvez defraudados, roubados de uma das experiências mais intimidantes que a Terra destina às suas criaturas.

Pois eu, meus amigos, senti. Acordei com a cama a tremer e a persiana a sacolejar ruidosamente no seu encaixe. Abri um olho, vi as horas, pensei sonolento "Olha, um tremor de terra", virei-me para o outro lado, afundei a cara na almofada e continuei a dormir.

Quando não é preciso fazer nada, não fale a pena sequer pensar em fazer alguma coisa...

Pico-entrevista ao Turista Acidental

E cá temos mais uma pico-entrevista, desta feita a uma amante do passeio:

LM - O turista acidental tem seguro contra acidentes?
Turista Acidental - O Turista Acidental é como um psicopata com dupla personalidade. Quando é Turista em Massa, compra o inevitável pacote turístico onde, é claro, não falta o seguro contra acidentes (com cláusula de repatriamento e tudo!). Quando é Turista Acidental, leia-se viajante ao sabor do destino, não tem seguro contra nada e acredita que a Lei de Murphy é para aqueles que compram os pacotes.

Hum... realmente... essa qualificação do turista como psicopata tem alguma razão de ser... e quanto a comprar pacotes... esta língua portuguesa!...

segunda-feira, 28 de julho de 2003

Pico-entrevista ao Bloco-Notas

Prosseguindo as pico-entrevistas da Lâmpada, fomos fazer perguntas... perdão... fazer pergunta ao Bloco-Notas, blog de serviço eminentemente público (e esperemos que não tenha o mesmo destino do Acontece):

LM - Gostavas que o bloco desse notas, ou tudo está bem como está?
Bloco-Notas - Gostava que desse notas (verdes, de preferência) e nem tudo está bem como está (falta tempo, além das notas)

--oOo--


Entretanto, convém esclarecer que tenho enviado 5 pico-entrevistas por dia, e obtido algumas respostas, mas não quero editar mais do que uma por dia. Não é só fazer render o peixe; é também tratar todos em pé de igualdade. De modo que se a vossa pico-entrevista demorar alguns dias a aparecer, não se preocupem: é sinal de que outras respostas foram recebidas antes dela.

<----- Os livros que estão ali

Desde que vos falei pela última vez dos livros que andam ali pelo lado já saíram dois e entraram outros dois para o lugar dos que saíram. Dois dedos de prosa sobre os novos:

- A Cidade da Carne é a primeira parte da duologia (ou romance partido ao meio, como o Luís diz) da Galxmente, e simultaneamente o primeiro romance de Luís Filipe Silva. Passa-se num bizarro futuro em que a Terra é dominada por seres criados artificialmente por agregação de egos diferentes, produzidos pela Galxmente, e que encarnam em corpos (humanos) produzidos de propósito para receber essas personalidades. Edição da Caminho, 165 páginas (1993). Esta é uma releitura.
- Cântico à Humanidade é uma nova tradução do livro de contos (e um poema) de Ray Bradbury «I Sing the Body Electric», publicado há muitos anos, em dois volumes, na colecção Argonauta da Livros do Brasil. O copyright da edição original data de 1969, mas foi renovado em 1997. Edição Europa-América, 341 páginas (2003).

domingo, 27 de julho de 2003

Independência para a Madeira, já!

Quando será que Portugal se farta e expulsa duma vez por todas o arquipélago da Madeira? Independência para aquilo, já!

Spamesia (82)

Sexta-feira a temperatura continuou elevada, com o spamómetro a subir até aos 32 spams. Deflagram pequenos incêndios por toda a lâmpada e os bombeiros correm de uns para os outros como electrões livres em fios de cobre. E eu, sem ter solicitado coisa alguma, dos 32 retirei um, em português, intitulado "Conforme solicitado.", e spamesei em ficção científica:

Conforme solicitado

Conforme solicitado aqui tem o meu cérebro
intacto com cada ideia no seu sítio
cristalizado no estado quântico mais adequado
ao bom sucesso da tranferência

Confio que o dinheiro foi depositado na minha conta
caso contrário terei de contar como me convenceu
às autoridades, que são impermeáveis, cegas, surdas
aos avanços marginais da ciência

Espero de si total silêncio e que em breve
possa apertar a mão a mim próprio

Spamesia (81)

Mais uma pausa na spamesia. Não tenho andado com grande vontade de spamesar ultimamente, confesso, mas o spam vai continuando a chegar às dezenas todos os dias. Tínhamos ficado na quarta-feira, com um quase record de 44 spams, e segue-se na lista a quinta-feira, dia em que o número baixou para 35, dos quais escolhi uma "proposal" para escrever:

Proposta

A proposta é composta de uma aposta
e da resposta a uma pergunta
mais ou menos indistinta

A proposta é também e apenas
para quem gosta
de viajar pelo mar junto à costa

A proposta tem de prémio a multidão
mas o falhanço e a desistência
têm o preço do regresso da velha solidão

A proposta tem de ser aceite ou recusada
só com esta informação
eu não posso dizer-lhe mais nada

E está feita a proposta para uma longa aventura
que pode dar-lhe delícia ou tortura
fico à espera da sua resposta

Pico-entrevista ao Hemogoblina

O Hemogoblina tem sido repetidamente confundido com uma substância alarmantemente vermelhusca que dá pelo nome de hemoglobina. Para esclarecer de vez a confusão, a Lâmpada Mágica resolveu pico-entrevistá-lo:

LM - A hemoglobina transporta oxigénio; E a hemogoblina transporta o quê?
Hemogoblina - A hemogoblina transporta toxigénio. Que mais?

Esperamos ter contribuído para o cabal esclarecimento dos nossos leitores.

sábado, 26 de julho de 2003

Pico-entrevista ao MacJête, take two

O MacJête teve a paciência de conceder uma segunda pico-entrevista à Lâmpada, embora avisando à partida que seria a última. Ela aqui fica:

LM - Que fazes dos bocados de palavras que ficam por escrever no teu blog?
Môce MacJête - Armazén, que é pra ter palavras pra tradzir prós môces q'm'mandam imêls preguntand o q'rai tou é dizend práli.

E foi a última resposta que o MacJête deu à Lâmpada (embora seguida dum PS que consistia das palavras "tá mlhor").

"Que porqueira de pergunta é essa?"

Pois. Recebi um email do Môce MacJête que me deixou a pensar. Traduzido para português, reza o seguinte:

Rapaz, depois de te responder à pico-entrevista fiquei aqui a pensar e não cheguei a conclusão nenhuma. Mas que raio de pergunta é essa?

Realmente...

O Môce tem razão. A pergunta que lhe fiz é uma porcaria de pergunta, desinspirada, chata e sem nada a ver com o blog dele. O registo é errado. Há que corrigi-lo. E como a conversa foi com ele, consegui convencê-lo a conceder-me uma segunda pico-entrevista, esta já mais consentânea com o que se pretende deste meio. Leiam-na, em rigoroso exclusivo, no próximo post!

sexta-feira, 25 de julho de 2003

Pico-Entrevistas

Seguindo e exemplo do ENE COISAS, inauguramos aqui um espaço de pico-entrevistas a bloguistas, entrevistas mais pequeninas ainda que as do ENE (daí o pico). Entrevistas só com uma pergunta.

Começámos pelo MacJête, porque sim.

LM - Gostas de blogar?
Môce Macjête - Iá. Ma na ténh témp.

Mais palavras para quê? Foi a entrevista possível com o dono do blog mais algarvio da blogosfera...

quinta-feira, 24 de julho de 2003

A spamesia dava um livro?

Esqueci-me de vos dizer, lá para baixo, que a sondagem termina no dia 15 de Agosto. Têm tempo de dizer o que vos parece. Entretanto, já houve 18 de vós que o fizeram (ou antes: 17 de vós e um de mim), sendo que 7 (6 de vós e um de mim) acham que não, 6 acham que em parte sim, e 5 acham que sim. É uma relativa surpresa: não pensei que isto ficasse tão equilibrado até tão tarde.

Spamesia (80)

Respondendo à pergunta de ontem: não, não foram 35. Foram 44.

E com tanta coisa até recebi um spam cujo assunto era apenas: "!" "?", perguntei eu. "!", confirmou o spam. Eu, confuso, retorqui: "?!". Mas o spam assentiu, teimoso: "!". Lá tive de me render à evidência... ou talvez não:

!

O ponto de exclamação
enquanto era novo e são
era liso e fino e direito
e aguçado como um arpão
mas verão veio atrás de verão
e o peso de cada nova estação
foi encurvando o ponto de exclamação
por fim, ao findar a última estação
deu por si transformado
em ponto de interrogação

Spumor

Outra coisa que se pode fazer com spam é gozar com ele. Querem ver?

- 1/2 Off Viagra!!!
- Para que quero eu meia erecção?!

- Can I make it up to you?
- Podes. Começa por trazer-me uma perninha de frango, se faz favor.

- Increase erection size and hardness
- Nem pensar nisso! - grita a mulher dolorida aqui ao lado.

- TITS TITS TITS
- Silicone siilicone silicone

- Your tits are to small
- Realmente... não há sutiã que me sirva. Não há quem invente um male-bro decente...

Em itálico, representantes genuínos da fauna spamética de ontem. Em letras normais, eu a gozar com os itálicos. Espero que tenham gostado.

Sobre o papel dos críticos

O canhoto J escreveu um post brilhante acerca do papel e do que se deve esperar dos críticos, literários mas não só. Devia ser emoldurado e posto na parede tanto de quem fala sobre a crítica como dos próprios críticos. Aqui ficam alguns excertos, e quanto ao post completo, leiam-no aqui. Vale a pena.

Não é possível avalizar objectivamente a qualidade de uma obra porque há demasiados factores envolvidos: originalidade formal e de conteúdo, elegância formal e estrutural, profundidade, intuição humana, análise social, coerência, impacto, influência que tem sobre terceiros, etc., que ninguém pode descobrir num livro recém-publicado. Na melhor das hipóteses pode dar-se uma opinião subjectiva, mas fundamentada e informada, com indicações claras das tendências e preconceitos dos críticos.

[...]

O que não pode é ocorrer como na maioria das críticas actuais: [...] resumir ou citar o livro, biografar o autor, etc., normalmente limitando-se a fazer copy/paste dos comunicados de imprensa.

A longo prazo, uma crítica inócua é pior para todos que uma crítica demolidora, pois não ajuda a formar o gosto do público, não ajuda os novos escritores a identificar os seus erros e torna a nova literatura uma gigantesca massa indistinta de qualidade, que afugenta muitos leitores para os braços mais seguros da literatura clássica.

quarta-feira, 23 de julho de 2003

Spamesia (79)

35 anteontem, 35 ontem, e hoje, 35? Agora está na moda entre os spammers portugueses (ou pelo menos de língua portuguesa, dividir o tema do spam entre o remetente e o assunto. Coisas como "remetente: cortador; assunto: de comprimidos", ou "remetente: suas férias; assunto: agora". Se continuar a moda, vai dar uns títulos engraçados, até porque eu só uso o assunto. "De comprimidos" dá um título giro, por exemplo, e talvez o use em breve, se voltar a receber aquele spam, como hoje. Mas hoje escolhi o das férias:

Agora

Agora é o tempo do mar
nocturno das ondas sublinhadas a noctiluca
do lusco-fusco das trevas perfuradas por
luzes longínquas
da lufa-lufa dos ecos da música das
gargalhadas

Agora é o tempo de ser grão de areia
molhada

terça-feira, 22 de julho de 2003

Spamesia (78)

Ontem houve mais um pico no spam: 35 mensagens poliglotas, que desta vez inclíam títulos em inglês (claro!), português e francês. Com tanta escolha, ainda pensei em recuperar algo como "wet and thinking of you", mas descaí para a mensagem de baixo na ordem alfabética: "Wrapped in plastic":

Envolvido em plástico

Um homem um dia deixou-se dormir à sombra de uma árvore
era um viajante e nas mãos trazia os planos
de mundos infinitos que havia inventado
mundos tecnológicos cheios de máquinas
em que cada peça significava o aprofundamento do humano

Acordou passados anos e abriu os olhos para o vazio
a escuridão envolvia-o sem o tremeluzir de uma estrela distante
nas mãos, os planos há muito que não existiam
tinham-lhe sido roubados e apresentados pelo ladrão ao mundo
como se seus fossem, ainda que pouco deles compreendesse

O homem tentou cheirar o ar que respirava
um cheiro abafado, com pouco oxigéneo
um cheiro a escuro e a fumo, um cheiro a plástico elástico
moveu-se, e as mãos não agarraram mais que plástico
elástico, um casulo frio e duro sem um furo

Gritou, o homem, do mais puro desespero
mas o grito foi absorvido pelo plástico

segunda-feira, 21 de julho de 2003

Spamesia (77)

Domingo cheogu e com ele vieram 28 spams. Uma boa escolha que incluía um "hurry". E eu despachei-me:

Despacha-te

Despacha-te!
Esse som que ouves
é o resto da tua vida
que se aproxima
Não podes deixá-la passar

Spamesia (76)

No sábado, houve só 19 spams, quase todos com títulos péssimos. Dos poucos aproveitáveis peguei num "massive improvements possible" e fiz um spamema que não era de certeza o que o spammer tinha em mente:

São possíveis melhoramentos massivos

As elites passeiam-se em piqueniques
festas e jogos de pesos nas testas
vestidos jóias brincos gravatas e bravatas
copos nas mãos, olhares malsãos
derramados em cataratas pataratas
restos de cocaína nos narizes, felizes
e os bolsos divididos entre prozac e gurosan
há que se ser bom-vivant

Do outro lado moram os olhos roucos de quem está desempregado
mal empregado homem inútil
e cada gesto é um gesto fútil
um velho precoce na sombra da sua solarenga catacumba

Na televisão fala o ladrão
o porco imundo que corre o mundo
adormecendo consciências numa torrente de palavras
como qualquer charlatão
que indecência
que insuportável suaxcelência

As elites dos piqueniques
cada vez mais chiques
e o desempregado que é só um número
cada dia mais perdido no meio de inúmeros outros números
devem a existência ao charlatão
àquele cão

Numa nota de esperança, estamos vivos
e enquanto a morte se mantiver por outra qualquer região
são possíveis melhoramentos massivos
por vezes, basta matar o charlatão

Spamesia (75)

Houve aqui uma pausa, não sei se repararam. Outros afazeres, crises variadas, essas coisas que a vida impõe ao ócio. Ficou por reciclar o spam de sexta-feira, 27 mensagens variadas onde se incluía uma de título "time saver". Não obedeci por inteiro à tradução deste título, resolvi "enganar-me" um bocadinho, fingir que percebo mal a língua inglesa, e traduzi a coisa como:

O recuperador de tempo

Encontri um dia um homem com a cara redonda
e a pele penugenta de um bebé
Olhou para mim com reflexos de sono dos seus olhos púrpura
e disse-me “Não tens tempo.
Não vais ter tempo para fazer o que podes fazer”
Fiquei calado. Que poderia eu dizer?

Ele observou-me por longos minutos, e sorriu
como se tivesse gostado do que viu
e disse “Nada temas. Eu sou um recuperador de tempo.
Quando achares que ele te falta basta chamar-me
e eu entrarei nos interstícios do teu tempo inútil
e recuperá-lo-ei para to dar.
É só chamar”

Depois desapareceu sem nuvem de fumo ou raio de luz
deixando-me só, a olhar para o vazio
mergulhado no maior espanto que o mundo já viu

Tudo isto se passou há muitos anos, noutro lugar
onde os ossos não doíam nem tinha pressa em respirar
Aqui e agora era a altura de reencontrar o recuperador de tempo
eu não duro muito, é questão de pouco tempo
mas ele esqueceu-se de indicar-me o modo de o chamar

sábado, 19 de julho de 2003

O Harém

Acabei de saber que a Sara Brightman levou o seu Harém (salvo seja) ao 13º lugar do top português.

Decididamente, um país que leva ao top uma versão de plástico da Canção do Mar, travestida com roupas árabes compradas do Wal-Mart e no Corte Inglés, e cantada muito pior do que qualquer das versões portuguesas que já ouvi (até mesmo as dos cantores amadores da Operação Triunfo), não é o meu país.

Quanto custará uma mudança de nacionalidade?

Spamesia (74)

Ontem continuou o pico e subiu mais um bocadinho: 36 spams, incluindo um "Nuevos Planes Tarifarios 90% de ahorro", que é o primeiro spam em castelhano desde que comecei a fazer mais com estas toneladas virtuais de lixo do que transferi-las directamente para o caixote do lixo da caótica biblioteca que é a minha correspondência electrónica. De toda esta fartura, saquei um "Response requested", e escrevi:

Requere-se uma resposta

A página vazia olha-me com o seu brilho branco
um olhar que é franco, embora a página seja falsa
um olhar de um espanto luminoso como quem diz
“Que quer de mim aquele? Que faz? Que pensa?
Porque está ali a olhar para mim com aquele reflexo
perplexo que lhe escorre dos olhos como água do mar?”

Bruxuleia, a página vazia e falsa, como mil velas suspirando em uníssono

Depois volta a olhar-me com o seu brilho branco
com o seu olhar franco, vazio e enrolado em expectativa
“Requere-se uma resposta”, diz-me, acentuando as palavras
numa insistência mecânica de página falsa, e eu respondo
“A página vazia olha-me com o seu brilho branco
um olhar que é franco, embora a página seja falsa...”

quinta-feira, 17 de julho de 2003

Spamesia (73)

Ontem houve um pico: 31 spams. Com muita coisa por onde escolher acabei por pegar num "Fw: youth discovery qqbetucuictijtq m v", deitar fora o lixo e traduzir o resto para:

A descoberta da juventude

A Sofia um dia olhou para as rugas
que lhe transformavam a face em paisagens bravias
olhou, mirou, remirou, alisando as mãos
à procura do toque sedoso que era a memória
mas era só memória, a vitória fora do tempo
como sempre

Entristeceu, a Sofia, naquele dia
recolheu-se em si, julgando-se perto do fim
e sentindo-se velha como xisto

Nisto, lembrou-se de outra Sofia, que um dia
tinha dito basta, batido com a porta
e virado as costas ao mundo
que lhe dizia quem era e o que fazia

Sorriu, a Sofia de agora
e depois riu ao recordar tamanha alegria

Quando abriu os olhos
com a gargalhada ainda a brincar com a tinta das paredes
viu-os no espelho, tão jovens como outrora

A spamesia dava um livro?

Eu acho que não, como aliás já disse algumas vezes aqui no blog (aqui, por exemplo), mas já houve várias pessoas que me disseram que achavam que sim. E o que é que vocês acham? Sim? Não? Sopas? O sítio para votar tá daquele lado --->

quarta-feira, 16 de julho de 2003

Spamesia (72)

Mais 28 spams, ontem, o que tem a tal vantagem de deixar muito por onde escolher. Quase tudo em inglês, naturalmente, mas houve um título em português que me chamou a atenção: "a solução para a poluição". Ei-la:

A solução para a poluição

A solução para a poluição é olhar para o mar
sempre que chega uma súbita vontade de gritar
e quando a garrafa se esvazia recolher o gesto
de escrever a mensagem, enrolar o papel
pô-lo dentro da garrafa, rolhá-la e atirá-la.

Atrás do mar já não há ilhas de utopia

Spamesia (71)

Soma e segue: ontem (segundo o relógio foi anteontem mas, como ainda não dormi, segundo o meu tempo íntimo foi ontem) houve mais 24 spams. Três com títulos em português, um sem título, e o resto em inglês. São os Estados Unidos a enviar lixo pelo mundo inteiro. Business as usual, portanto.

Escolhi um "Did you hear the news?" e, como não as ouvi, inventei-as:

Ouviste as notícias?

Ouviste as notícias?
Há uma nova solidão
nas vielas onde os
cheiros todos moram
e onde os gatos se demoram
olhando o mundo em volta
com olhos de águas mortas

Dizem os jornais que
foi encontrado um homem
que olhava o mundo com
olhos de gato de viela
e murmurava, nu e triste
onde está ela?
onde está ela?

segunda-feira, 14 de julho de 2003

Spamesia (70)

Mais 24 spams no dia de ontem, quase tudo em inglês, mesmo que macarrónico. Peguei num "Grow it", traduzi isso "criativamente", e escrevi:

Cultiva-as

Se as pestanas se te fragmentaram
por ficares muito tempo em frente ao monitor
e por causa do peso das estalactites de pixels
que delas se dependuraram
cultiva-as
o programa radicular está pronto para download
e depois
basta juntar lágrimas

domingo, 13 de julho de 2003

Como estaremos dentro de 20 anos?

O Smaug continua a perguntar como estaremos dentro de 20 anos lá nas suas Incongruências. O diagnóstico que ele faz, embora contestado pelos liberais, é certíssimo: a tendência é claramente o desaparecimento de emprego, com a crescente sofisticação do software, quer na indústria, quer agora também nos serviços.

Olhando para a história, vê-se que em todas as revoluções tecnológicas houve transferências consideráveis de mão-de obra de uns sectores para os outros. Começando com a revolução industrial, as fábricas absorveram uma mão-de obra miserável proveniente da agricultura de subsistência, ao mesmo tempo que novas técnicas de produção agrícola a tornavam mais eficiente e a industrializavam. É bom notar que isso ainda está hoje a acontecer, inclusivamente nos países mais desenvolvidos. Um efeito secundário tardio foi o aparecimento da sociedade de consumo, com um aburguesamento de fatias consideráveis da população de alguns países, que tiveram pela primeira vez dinheiro para consumir. Se não fosse o facto de que tudo isto se baseou na exploração desenfreada de recursos e mão-de-obra coloniais e pós-coloniais, nesta fase poder-se-ia reconhecer um mínimo de seriedade na ideia de triunfo do sistema capitalista liberal.

Com a automatização do fabrico, aparece outro fluxo, que ainda está em curso, com a tercearização do trabalho. A mão de obra sai das fábricas, que passam a ser mantidas por quantidades pequenas de trabalhadores qualificados e por grandes exércitos de máquinas robotizadas, e transfere-se para os serviços.

A tendência é, no entanto, a substituição também do trabalho nos serviços por trabalho informatizado e, consequentemente, de trabalhadores por computadores. A consequência é clara: desemprego em massa. Porquê?

Porque seguindo o modelo de deixa-andar económico e social que tem sido seguido pelo ocidente (e em grande medida imposto pelos Estados Unidos, dada a sua condição de economia mais forte, e pelos grande barões da finança, uma vez que a curto prazo ainda é esse o caminho mais lucrativo), a eficiência aconselha a substituição de trabalhadores por software sofisticado, e esses trabalhadores não terão qualquer sítio para onde ir. Toffler, nos seus velhos livros acerca da "terceira vaga", fala numa utopia em que as pessoas poderão estar finalmente livres das tarefas repetitivas, prontas a desenvolver trabalho criativo, mas esquece-se de duas coisas: que a maior parte das pessoas não são criativas, e que uma actividade criativa só permite a sobrevivência ao seu autor se tiver público em quantidade suficiente, o que implica muito mais gente a consumir do que a criar. Não haverá um sector "quaternário" na criatividade, capaz de absorver os desempregados dos serviços.

A tendência é clara: um aumento limitado no trabalho de criação, o enriquecimento até níveis absurdos de uma elite minúscula ligada aos fluxos de capital e à especulação, uma faixa da população empregada naqueles serviços que não ficam bem substituídos por máquinas (a criadagem, por exemplo - e falo de criadagem em sentido lato), uma outra faixa que permanece empregada desenvolvendo trabalho inútil, numa maquinaria burocrática que se auto-alimenta, especialmente, mas não só, ligada aos Estados, e uma enorme massa de desempregados e sub-empregados, constantemente em movimento em torno do globo, à procura do que não existe: um emprego estável.

Isto é um mundo à beira do colapso. Rapidamente as assimetrias cada vez maiores se transformam em raiva e esta facilmente se capitaliza para a violência e para todos os fanatismos. Já assistimos a isso hoje em dia, com o terrorismo globalizado que se exerce contra os centros de poder e os principais promotores destas opções económicas. Torna-se então necessária aos estados a criação de mecanismos de segurança, e aqui cria-se emprego. Mas o problema é que os estados não terão dinheiro suficiente. É que os impostos que os Estados recebem tenderão a vir apenas dos trabalhadores criativos, da criadagem e das faixas de empregados dos próprios Estados. As empresas ficarão de fora, porque na competição global, os estados tenderão a acenar com vantagens fiscais cada vez maiores para atrair investimento e/ou evitar que ele fuja para países e regiões vizinhas. O resultado é que os estados deixam de ter dinheiro para cumprirem as suas funções e começam a colapsar e/ou a ficar dependentes das corporações mais poderosas. Isso, aliás, já hoje acontece: há países no Terceiro Mundo que são praticamente propriedade de multinacionais. A consequência final deste sistema deixado a si próprio é o colapso total, pois as próprias empresas só se mantêm enquanto tiverem por um lado quem possa comprar os seus produtos e pelo outro quem possa produzi-los. É o triunfo da entropia. Viram o filme Mad Max? É qualquer coisa do género.

Claro que isto não é inevitável. Há caminhos alternativos que passam pela imposição de limitações severas à lógica do mercado livre, pela localização da produção, por esquemas de solidariedade local, enfim, pela maioria das medidas que se sugerem na Agenda 21, que podem ajudar a um desenvolvimento sustentável. Medidas completamente anti-liberais e algumas claramente socializantes.

O problema é que este caminho é menos viável a curto prazo, quando visto pela lógica pura do mercado. E como os liberais sofrem duma miopia cerebral congénita são incapazes de compreender que existe algo para além de um horizonte de 5 anos, que existem problemas que se não forem resolvidos hoje não terão solução amanhã e que o caminho que seguimos só pode desembocar em catástrofe. Pior: quem nos gere, os profissionais da política que elegemos (ou, no caso dos americanos, que o tribunal nomeia) sofrem da mesma miopia em forma agravada, porque planeiam as coisas a uma legislatura, de forma a tentarem ganhar as eleições seguintes ou, caso isso não seja possível, deixar as coisas tão más para quem os substituir que tenham uma boa hipótese de regressar ao poder logo a seguir.

E pior ainda: quem tenha ideias diferentes, quem pense pela própria cabeça em vez de seguir a velha cartilha que não põe nada de importante em causa, é activamente perseguido e silenciado. No mundo que nos espera, ou aceitas tudo e manténs-te dentro do sistema durante mais uns anos, talvez os sufiententes para acabar de pagar a casa ou o carro, ou o teu destino é o desemprego.

Duvido que alguém tenha lido até aqui, mas se alguém o fez fique sabendo que tudo isto é um resumo resumidíssimo e que se dissesse tudo escreveria aqui um livro...

Seja como for, perdão pelo post atípico. A spamesia segue dentro de momentos.

Spamesia (69)

Ontem houve 19 spams, quase todos muito desinspiradores. Peguei num "OPEN ME" e escrevi o que a fruta diz a quem se prepara para comê-la:

Abre-me

Abre-me
e recolhe em pétalas
o gosto sedoso da Lua

sábado, 12 de julho de 2003

E por falar em portimonenses, Bruce Sterling

Nada como um título que aparenta ser absurdo para pôr toda a gente de olho alerta. Que pode ter a ver Portimão com Bruce Sterling?

É que este moço, portimonense não praticante com uma estranha paixão pelo c cedilhado, dá uma notícia bastante interessante para todos os que gostam de ficção científica em geral e cyberpunk em particular: Bruce Sterling, o homem dos Mirrorshades, o velho pioneiro do sub-género, vem à Península Ibérica dar uma vista de olhos e palestrar acerca de "sistemas complexos e o futuro", num curso de verão sobre vida artificial, promovido pela Campus TI, de Valência.

A coisa decorre entre 14 e 16 deste mês, Sterling fala ao fim da tarde de dia 15, e é duvidoso que se possa ir assistir assim sem mais nem menos. Mas que apetece, lá isso apetece...

Linques - Ambliguidades

A blogosfera algarvia continua a crescer tão exponencialmente como a portuguesa, mas tem a característica interessante de tender a lincar-se toda. O último caso que diz respeito à Lâmpada foi o do Ambliguidades, novíssimo blogue do meu conterrâneo A. Costa, que produziu o mais recente linque para cá.

Um dia destes temos de juntar a maralha e ir comer a qualquer lado. Baratinho, de preferência.

Spamesia (68)

O facto de não ter spamesado ontem não impediu os spammers de me enviar uma bela remessa do seu produto: 29 exemplares das mais diversas subespécies, parte em português, mas a maior parte, como sempre, em inglês. A língua do spam é, sem dúvida, o inglês, o que talvez desse para um sociólogo escrever uma tese. Resolvi pegar num que vinha intitulado "ficcao", coisa retirada do meu endereço de email e, como o tema me interessa, fiz um spamema com esse título, vagamente semelhante a um soneto, e de ficção... de ficção científica.

Ficção

Daqui à superfície há cem quilómetros de gás
e eu flutuo adormecido, reclinado para trás
estou à espera que regresses, e daquilo que dirás
do que viste e sentiste na missão que cá nos traz

Durmo preso ao meu sonho, dividido em pedaços
do que é falso, imaginário e do que é parte do que faço
ao mesmo tempo sei de tudo o que acontece junto ao aço
do meu casco, e do rádio, mesmo falho, e do vídeo, mesmo baço

Saturno é uma jóia embrulhada em mil anéis
mas disso a mim nada interessa, sou metal indiferente
Só me perturba que não regresses, já passado tanto tempo

Ouvi em tempos certas histórias de naves infiéis
que abandonaram os pilotos, mas eu não, eu sou diferente
e além disso, não há pressa, tenho tempo, muito tempo

Spamesia (67)

Ontem não spamesei, portanto vamos agora falar do spam de anteontem. Foram 17, com alguém a enganar-se redondamente e desejar-me feliz aniversário com meses de atraso ou de adiantamento, outros a querer que eu aumente o tamanho do meu pénis, outros convencidos de que preciso de viagra, outros a prometer-me o regresso à juventude, enfim... o costume. Decidi-me por um "never lose your keys again", e em vez de publicitário transformei-o em imperativo, num ralhete típico de pai para filho:

Nunca mais percas as chaves

Olha, meu palerma
estou farto de abrir-te a porta
a partir de agora, é rédea curta
e vais à luta
pela estrada ou pela berma
a escolha é tua
mas eu, meu palerma
não tenho dinheiro
para passar o ano inteiro
a mudar a fechadura

Eu sei que não te agrada
mas é o mínimo que me deves
e se não queres
comprir este mais pequeno dos deveres
nunca mais percas as chaves

sexta-feira, 11 de julho de 2003

Linques - Local e Blogal

Regresso a um bom hábito, de referenciar e reverenciar quem linca para cá, para a Lâmpada. Regresso, claro, com o último a lincar (ou pelo menos o último cujo linque apareceu no Link Cosmos da Technorati, que é onde eu vou buscar estas referências cruzadas), e esse é o Local e Blogal, novíssimo blog do António Baeta de Oliveira, silvense já com muitos anos de presença na internet, graças ao seu Guia da Cidade de Silves.

E aqui está um blog algarvio de que o MacJête ainda não falou. Ora toma! A Lâmpada Mágica sempre na vanguarda!

quinta-feira, 10 de julho de 2003

Spamesia (66)

Ah, pois é! Quando não chegam num dia, aparecem noutro, já dizia o Meste Boto. Ontem foram 29, os spams, de todos os tamanhos, feitios e graus de mau cheiro virtual (mas bem real). Títulos reaproveitáveis? Bué. Mas resolvi reaproveitar um que não era reaproveitável. Nem traduzível. Nem mesmo compreensível: "dtldrum dedugt". Com um título assim tão absurdo, que esperam além dum spamema absurdo?

dtldrum dedugt

No jardim, sim, o jardineiro-padeiro
diz que sim, que sim, que tem falta de dinheiro
e o cozinheiro só faz falta lá pró fim
quando o cesto lesto sobre as rodas todas
chega e pega na mão dele, enfim
Sim, no fundo, em todo o mundo
é tudo apenas uma questão de pilim
e até as renas mais pequenas balem “sim”
entre as nuvens de mosquitos infinitos
o mar gelado e o céu encapsulado em Norte
e na falta de sorte dos até logos sem fim

quarta-feira, 9 de julho de 2003

Este ARGOS e os outros (8)

Tem havido alguma turbulência nas categorias do ARGOS dedicadas a premiar a melhor publicação.

Inicialmente era apenas uma categoria, onde se incluíam quer antologias ou colectâneas (isto é: livros de contos), quer revistas e fanzines, ou seja, publicações periódicas (embora por vezes não o fossem lá muito). Foi assim no ARGOS de 2000 e no de 2001, mas em 2002 esta categoria dividiu-se em duas. Nasceu assim a categoria de "melhor livro", que inclui antologias, colectâneas e livros de referência, em 2002 apenas em edição de papel, mas em 2003 incluindo também edições electrónicas. Pelo outro lado, nasceu também a "melhor publicação periódica", englobando revistas e fanzines em papel e, a partir de 2003, também as suas equivalentes electrónicas.

No ano de arranque, houve 10 publicações a ser indicadas nesta categoria, sendo que duas delas foram impugnadas. No ano seguinte, estes números subiram até às 22, com 3 impugnações.

Não são muitos os nomes que surgem duas vezes, e quando isso acontece significa geralmente que se trata de publicações periódicas, consideradas suficientemente relevantes para merecerem indicações sucessivas. É o caso da revista portuguesa Paradoxo, hoje extinta, cujo editor era Daniel Tércio. Também era o caso da Quark, primeiro fanzine editado por Marcelo Baldini, e depois revista editada por Baldini e por Aldo Novak, e entretanto desaparecida. É também o caso do Juvenatrix, fanzine de Renato Rosatti, e das Notícias... do Fim do Nada, fanzine de Ruby Felisbino Medeiros.

Caso diferente é o de Roberto de Sousa Causo, que aparece na lista dos dois anos como editor de dois fanzines diferentes. O português António de Macedo também surge duas vezes, no mesmo ano (2001), através da sua colectânea O Cipreste Apaixonado e da antologia A Viagem, que organizou com Silvana de Menezes. Fábio Barreto surge também como editor do fanzine Intrepid e como co-editor da revista Sci-Fi News. Marcello Simão Branco é também indicado duas vezes, no mesmo ano, pelo fanzine Megalon e pela co-organização da antologia Terra Incognita, mas esta última indicação é impugnada, uma vez que o outro organizador da antologia, Gerson Lodi-Ribeiro, é um dos organizadores do prémio.

E uma vez que isto já vai longo, interrompo aqui a 8ª prestação desta série.

Especialistas do poder



Às vezes há especialistas que se especializam em relações de poder. E no caso do personagem da história de Maria Helena Bandeira que o E-nigma acaba de reeditar, em nova edição, com uma capa agressiva de Gabriel Bozano, é quase por acaso que essas relações de poder se desenrolam. Ou talvez não.

O nome da história? O Especialista, naturalmente.

Spamesia (65)

Vou agora usar um dos mais ridículos bordões jornalísticos que de tão usados já se transformaram em clichés da nossa imprensa. Preparem-se. Ontem houve cerca de 21 spams a adentrar pela minha caixa de correio. É tão lindo, não é? Nunca canso de me rir quando depois de um "cerca de" aparece um número concreto, específico, nada arredondado. É o delírio.

Enfim... desses "cerca de" 21 spams, acabei por escolher um "Instale-se na internet", que nem sequer precisa de tradução, e escrevi:

Instale-se na internet

Instale-se na internet
meta-se pelos caminhos por que ela se mete
compita em locais em que ninguém compete
ponha o corpo em ponto morto
a acumular gordura
e a viajar em piloto automático
entre a cozinha e a retrete

Quando vierem por si diga que sim
que chegou ao fim
e que a vida dita viva
não é mais que um paradoxo

Mostre-lhes a rede
cada fio, cada nexo, cada nodo
cada paisagem desse admirável mundo novo
e quando lhes vir a vida a fugir
pelos olhos, pela boca
pela pele, retorcida e rouca
instale-os na internet

terça-feira, 8 de julho de 2003

Spamesia (64)

E ontem, houve um record. Foi o dia com menos spam desde há muito, muito tempo. Há por aí uns spam-killers a apertar a malha, mas infelizmente por entre os spams que o são de facto "apanham" também email legítimo, como algum do que eu tenho tentado enviar nas últimas horas. Seja como for, por entre a escassez do dia de ontem, apareceu um único spam reaproveitável, intitulado "discreet delivery". E eu, reaproveitei-o no minúsculo spamema que se segue:

Entrega discreta

Com um olhar entregaste-me a tua alma
mas eu não a quis
preferi guardar a minha calma

Futurologia incongruente

O Smaug (que afinal até tem nome - trema, Nelson de Matos!), entre duas páginas de O Crime do Padre Amaro, spamou-me por causa de um post em que ele faz, lá no Incongruências, um brevíssimo apanhado da situação actual do trabalho e pergunta a si próprio e aos outros como estaremos daqui a 15/20 anos, e se estaremos preparados para o futuro.

Eu respondo que nem sequer estamos preparados para o presente, quanto mais para o futuro. E que daqui a 15/20 anos, prosseguindo o actual modelo de desenvolvimento (modelo de desenvolvimento? Boa piada, essa!), o mais provável é estarmos soterrados em violência e num caos cada vez mais repressivo.

Escrevi um dia um conto acerca de uma pequena parte da vida daqui a uma dezena de anos. É mais ou menos assim que o futuro se me apresenta.

E podia ser muito diferente, se tivessemos a coragem de correr de uma vez por todas com os idiotas que nos desgovernam no mundo inteiro.

Spamesia (63)

Mais uma interrupção no fluxo regular de spamemas. O calor traz a indolência, e as obras no prédio a dor de cabeça e a falta de paciência. Mas basta de umbigo. No Domingo chegaram-me 20 spams, entre os quais escolhi um "Need a change?" para escrever:

Precisas de uma mudança?

Precisas de uma mudança?
Então tira a roupa, sai para a rua
deixa que o sol te morda a pele nua
ouve a música da vida, e dança

domingo, 6 de julho de 2003

Há duas sem três?

Não há duas sem três.

Dado o salto habitual ao Tecnofantasia, é-me chamada a atenção, através do Luís, para o "outro" blog do Nuno Centeio, que de vez em quando também aparece aqui pela Lâmpada, e que eu não conhecia ainda. Chama-se Xpto2K3 (hã?!), e é... bizarro. Mas interessante. E dá a ideia de que o Nuno é grande fã do Philip K. Dick. FC, e da boa. Cá está o terceiro.

E, às tantas, tá aqui outro

Eles aparecem uns atrás dos outros. Logo depois de ter escrito o post anterior, recebi um email de Elsa T. S. Vieira a dar-me conta do seu novo blog. Para quem não sabe, a Elsa é tradutora e tem traduzido alguns dos últimos lançamentos da Argonauta Gigante (Livros do Brasil). Tem também a característica extra de gostar de ficção científica. O blog não reflecte isso, pelo menos por enquanto, mas se calhar um dia reflectirá. Outro para ficar debaixo de olho, pois então...

Mais um FC-blogue?

Dei com um blogue que é capaz de se virar de vez em quando para a FC, muito embora aquilo que vi por lá se resuma, por agora, a notícias variadas. Mas um blogue cujo nome é inspirado num livro do Walter Tevis, que a Caminho publicou na sua colecção azul, numa tradução intitulada Ave-do-Arremedo (e um belo livro, por sinal), é bem capaz de se tornar mais interessante a qualquer momento. Auto-nota: a seguir com atenção.

Spamesia (62)

E eis-nos chegados a ontem, recuperando o atraso por completo. Muito pouco material, só 13 spams e um vírus que, ao contrário do que é frequente acontecer, tem um título que mais parece outro spam. Acabei por escolher um "It's time to meet a new you!" e fiz um pequeno spamema de FC:

É altura de conheceres o novo tu

Que fazes aqui, escondido?
Que crateras procuras entre os asteróides?
Porquê o silêncio de rádio?
Porquê o túnel, a tampa coberta de regolito?
O que me custou encontrar-te!
Os anos que passei de beco em beco sem saída!
Aprendi a detestar-te
mas depois esqueci-me de como era

Mas agora acabou-se
chegou ao fim a tua fuga
É altura de conheceres o novo tu
Ele irá substituir-te
tomar conta da tua vida
de hoje em diante és livre
já podes morrer

Spamesia (61)

Sexta-feira, e de repente um pico: 30 spams, dos quais só consegui extrair um título reaproveitável (havia mais, mas todos já utilizados): "lonely older woman still likes sex". E escrevi:

Uma mulher mais velha e solitária ainda gosta de sexo

Recebi uma mensagem na caixa de correio de alta tecnologia
a dizer que uma mulher mais velha e solitária ainda gosta de brincar
àquelas brincadeiras a que brinca quem já não tem idade de brincar
Se hoje fossem outros tempos, a mensagem ter-me-ia chegado
num papel amarelecido, escrita a caneta com letras trémulas
e se não fosse um convite aberto à prostituição
uma quarentona de olhos tristes observaria a minha reacção
através dos cortinados fechados da sua casa

Eu é que provavelmente teria a mesma reacção
um encolher de ombros, um sorriso entre o trocista e o amargo
um sacudir a cabeça, como que a dizer “que mais me irá acontecer”
e um fantasma fugaz de curiosidade acerca da identidade
de quem escreveu aquelas palavras, de quem se lembrou de mim
e porquê eu, porquê agora, porque não quando posso ou quero
ou me apetece fazer a vontade à mulher mais velha e solitária

Mas se fosse noutros tempos haveria algum embaraço
afinal de contas um papel manuscrito implica uma mão
e aos comandos de uma mão está sempre um coração
Hoje, tudo pode não passar das brincadeiras de uma máquina
gostam muito de se rir às nossas custas, estas máquinas

Em jeito de comemoração spamética

OK, aqui estou calmamente reclinado, garrafinha de espumante rasca (a crise não perdoa) à frente e uns centilitros da zurrapa num copinho, pendurado da mão que não tecla, a comemorar o facto de a spamesia ter durado dois meses (e o blog uns quantos dias mais do que isso). Hip-hip, hurra!

Quando a brincadeira fez um mês, expliquei resumidissimamente as regras do jogo. Agora, e também porque que já mas perguntaram depois disso, vou dizer mais umas coisas.

Utilizando o bordão linguístico da moda, então é assim: os spamemas nasceram de uma necessidade de encontrar alguma utilidade, por pequena que fosse, no lixo diário que invade a minha caixa do correio electrónico, à semelhança do que acontece com todos aqueles que têm uma presença na web (e endereços inalterados) com alguma antiguidade. Depois de algumas voltas ao miolo, lembrei-me de pegar nos títulos mais inspiradores do spam que me ia chegando e fazer uma coisa qualquer tendencialmente literária. Poderia ter sido em prosa, mas acabou por ser em verso, nem sei porquê.

As regras são simples: do spam só é reutilizado o título, que serve (por vezes com tradução ou ligeiras adaptações) como título do spamema. É suposto fazer um spamema por dia, e realmente as vezes que esta regra foi quebrada não foram muitas. É também suposto que seja posto no blog o texto tal como saiu, sem edições nem burilamentos, em estado bruto, por assim dizer. Por isso, e também porque não fico à espera que as musas me batam à porta e me aconteça aquele estado de espírito especial em que as palavras parece que se encaixam umas nas outras automaticamente e sem esforço, muitos dos spamemas que aqui estão são muito maus enquanto poemas. Mesmo assim, ao que parece, há quem goste. Gosto disso, confesso.

Em todo o caso, isto é um exercício de diletantismo sem qualquer ambição que vá além de fazer desaparecer um aborrecimento diário. E é uma unidade: o pouco sentido que os spamemas fazem só existe em conjunto. Logo, no caso improvável de algum dia alguém me conseguir convencer a meter isto, no todo ou em parte, em algum outro sítio que não a Lâmpada Mágica, a transposição nunca será directa. Antes seria necessário polir e fazer sobressair o que de artístico nestes textos possa haver, atenuando ou fazendo desaparecer o muito que neles há de irrelevante, inconsistente e a-literário. Ou até, talvez, substituir completamente alguns destes textos por outros, mais inteligentes e mais bem trabalhados.

Não sei até quando isto durará. Provavelmente enquanto tiver gosto em fazê-los e houver spam, terão um spamema por dia aqui na Lâmpada. Entretanto, tchim-tchim.

Spamesia (60)

Se os ciclos do universo tivessem alguma atenção às conveniências do homem e a Lua levasse 30 dias a circundar a Terra, fazendo-o 12 vezes num ano de 360 dias, então faria agora dois meses que comecei com esta coisa da spamesia. Na realidade, fez mesmo hoje dois meses, uma vez que deixei atrasar o spam dois dias, e o número redondo deveria ter saído ontem. Seja como for, é número bastante comemorável, como são todos os números redondos. A melhor comemoração possível teria sido a criação de um bom spamema, mas o material disponível era escasso e muito fraquinho: 14 spams, um deles sem título, outro a anunciar um blog, um terceiro a anunciar pela megagésima vez "vagas abertas", um outro a dar-me um "hi", um quinto a perguntar-me se sou um "junky", dois ou três perfeitamente incompreensíveis, etc. Acabei por pegar num "You left your umbrella" e fazer mais um texto em tom absurdista:

Esqueceu-se do chapéu de chuva

Ao longo da guerra foi aqui que foi ficando
o posto de comando das operações meteorológicas
era aqui que se reuniam os fazedores de chuva
os sopradores de vento, os escultores de neve
e daqui saíam instruções detalhadas
para as operações concretas no terreno

Mas no fim da guerra, uma bomba em espiral
explodiu mesmo em cima do posto de comando
que ficou sem o telhado por causa do tornado
que a bomba provocou
voaram preparados, aparelhos e poções
voaram aos bocados soldados em calções
e o tempo nunca mais foi igual ao que era dantes

E é esta a história deste rochedo diluviano
é esta a história que recordamos ano a ano
agora que aqui estamos só à espera de um fim
qualquer que ele seja, desde que seja um fim
Nada mais há a contar. Pode ir-se já embora
levando a linda noiva que veio aqui escutar
a maior história das histórias do meu povo

Adeus, e que tenha uma vida longa e nova
Mas espere! Ó amigo! Não corra! Volte cá!
Com a pressa, esqueceu-se do chapéu de chuva.

sábado, 5 de julho de 2003

Spamesia (59)

Houve aqui uma pausazita, não sei se repararam. Ficou spam a acumular-se à espera que eu conseguisse pegar-lhe. Poucochinho e mauzito, diga-se de passagem. Quarta-feira, por exemplo, houve 17 spams, e quase todos com uns títulos perfeitamente desinspiradores. Indecidi-me durante uma série de tempo, mas acabei por pender para um "no more bug bites period.", a partir do qual fiz um textozito absurdo sem sentido nenhum:

Não mais bichos a morder pontos

Na terra das sombras corre a campanha
para decidir quem fica com a sombra maior
concorre uma sombra com cara de hiena
contra outra sombra com corpo de cobra
concorrem mais sombras mas são só sombras
que ensombram mas não assombram
o riso da hiena ou o silêncio da cobra
mas há uns bichos chamados pontemordes
que lançam o caos na terra das sombras
É que são uns bichos que comem os pontos
que enfeitam as frases dos regulamentos
e todas as outras frases passadas a escrito
Ninguém se entende na terra das sombras
a hiena detesta a cobra e esta odeia a hiena
os pontemordes riem-se de todos menos
dos que se riem do caos que eles causam
Esses também se riem da cobra e da hiena
que discordam em tudo menos no slogan
que escolheram para as suas campanhas
“Não mais bichos a morder pontos”

quarta-feira, 2 de julho de 2003

Grande Carla Matadinho!

É verdade, Carla, tu és grande! Podes não saber que és grande, mas és. Grande. Uma grande mulher. Um verdadeiro íman industral de formas arredondadas e com um nomezinho que fica no ouvidinho. E nos motores de busca então, nem se fala. São às dezenas os babejantes moçoilos (e quiçá moçoilas?) que têm chegado à Lâmpada em busca de fotos tuas. Imagino, com um risinho escarninho, a desilusão que eles sentirão ao deparar com... isto. Bué texto a gingar para o intelectual e népia de bonecos. Que cena! Que corte! O suficiente para fazer um gajo perder a pica toda!

OK, vou fazer-lhes um favor. Vou dar-lhes uma foto tua, pode ser? OK.

PS: Gostaste do Matrix? Ena, ena!

Spamesia (58)

Um dia porreiro: 31 spams, títulos variados, entre o surrealismo de um "Online MedPharmacy lhkpeoayqqaoepk" (lhkpeoayqqaoepk?!) e a concisão de um "Hey" (ou antes: de dois "Hey"s), enfim, coisas por onde escolher. Não procurei muito, e optei também eu pela concisão, partindo de um "TRUST." para escrever:

Confiança

A confiança é uma trança que se entrança
e se estende entre a presença e a ausência
pelas mãos cuidadosas da consciência

terça-feira, 1 de julho de 2003

Spamesia (57)

Outro dia razoável, com 26 spams, se bem que de fraca qualidade em termos de títulos, e com a curiosidade de ter recebido pela segunda vez um spam em italiano. Eles compreenderão que aquele "pt" no fim dos meus endereços significa Portugal? Enquanto os italianos se confundiam, uma tal Tracy Arias deve-me ter confundido com alguém, uma vez que me enviou uma mensagem a dizer "You are hot!" Shaggadelic, baby! Vai daí, eu cá digo desinspiradamente que:

Tu és quente!

Mordes-me a pele como se dela nascessem nuvens
Enches-me os olhos como se fossem charcos de água

Do longe ao aqui há só o momento de um teu rugido

E sim, podes sorrir no céu de um desenho de criança
enquanto vou envelhecendo ano a ano ao teu redor

Tu és quente! Mais quente ainda que a nascente da vida