sábado, 28 de agosto de 2010

Vaporpunk é lançada amanhã.

É já amanhã que é lançada, em São Paulo, na Fantasticon, a antologia Vaporpunk, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro e Luís Filipe Silva. São oito histórias steampunk em mais de 300 páginas, quase todas noveletas, saídas da imaginação e das teclas de Octavio Aragão, Flávio Medeiros, Eric Novello, Carlos Orsi, o próprio Gerson, Yves Robert e João Ventura...

... e das minhas.

A minha história, intitulada Unidade em Chamas, tem a sua origem mais remota numa interrogação: o que poderia ter acontecido a Portugal, e portanto ao seu império, se as elites nacionais (o que basicamente significa o rei; a época era de absolutismo) tivessem tido a visão de futuro necessária para colocar os recursos não tão escassos de que o reino então dispunha à disposição de Bartolomeu de Gusmão (e família) e de outros espíritos criativos da época, protegendo-os da sanha persecutória da Inquisição e incentivando-os a voltar a seguir o mesmo caminho de inovação e empreendedorismo que tinha sido fundamental para os descobrimentos, dois séculos antes. Uma revolução industrial? Mas como seria uma revolução industrial movida não pelos artesãos e sua vontade de ganhar dinheiro e viver melhor, mas pela Casa Real, cujo interesse primário sempre foi ampliar o reino e o comerciar com (e pilhar) terras distantes? E como se adaptaria uma revolução industrial desse género ao aparecimento duma ameaça externa? Seria completamente militarizada? E haveria na metrópole homens suficientes para controlar todo o território?

Em Unidade em Chamas não dou respostas a essas perguntas, porque não é essa a história que me interessa contar. As perguntas serviram-me para criar um ambiente, esboçar um percurso histórico até chegar ao ponto em que a novela decorre, no início do século XIX, mas nunca foi meu objetivo responder-lhes detalhadamente. Interessa-me mais ver como as pessoas reagem ao ambiente, e principalmente as pessoas comuns, que não determinam diretamente o curso dos acontecimentos, antes reagem a eles... e acabam por moldá-los também sem dar por isso, às vezes de formas inesperadas, através de mudanças coletivas de mentalidade e dos atos que são consequência dessas mudanças. É uma história com duas camadas principais e mais umas coisas extra por baixo (todo este background, pelo menos), de que gosto bastante, e que espero que agrade aos leitores.

Querem um cheirinho? Então aqui fica um cheirinho, os dois primeiros parágrafos:

As passarolas erguem-se da lezíria, lentas e imponentes, uma atrás da outra. É um espetáculo inédito: nunca tantas passarolas haviam descolado ao mesmo tempo, nunca tantos balões, aletas e cascos pintados em desenhos irregulares azuis e brancos se haviam visto a flutuar no ar calmo do Verão de São Martinho. Sidónio não pode ver por completo esse espetáculo: ele vai-se desenrolando a todo o seu redor, e a longa formatura de que faz parte não lhe permite mais do que um olhar de soslaio por baixo da continência, um movimento impercetível de cabeça, um desfocar de olhos para prestar atenção à visão periférica. Mas ouve-o. O ranger das cordas e o ruído oco das alavancas de bambu, os gritos de gaivota dos mestres de manobra, as ordens imperativas dos oficiais, e acima de tudo o crepitar das chamas a devorar o carvão e o silvo dos gases a sair em turbilhão dos recipientes onde são guardados sob pressão, para irem encher os pequenos balões auxiliares que rodeiam o comprido conjunto principal de balões enclausurados numa rede, onde o brasão nacional e o do Corpo sobressaem discretamente da camuflagem aérea. O gás secreto, sem o qual provavelmente não existiriam passarolas, fornecido em exclusivo a El-Rei pelas oficinas Gusmão que se estendem mesmo em frente, do outro lado de um rio incaracteristicamente vazio das embarcações que noutro dia qualquer já o teriam enchido de cor e movimento, num longo complexo de edifícios baixos dominado pelo grande barracão principal e, claro, pela capela. O gás que, por tudo isso, é conhecido no Corpo como gás gusmão.
São sons que Sidónio conhece bem. Pertence ao Corpo Aéreo há quase dois anos, depois de ter sido arrancado à aldeia pelos recrutadores do Conde de Alvor. Um arrebanhar de rapazes e homens mais novos, mesmo que já casados, algumas perguntas feitas por um homem de fala estranha, um subordinado qualquer vindo de alguma ilha, talvez mesmo colónia, e um papel rabiscado entregue aos pais, lamurientos porque é esse o papel que a condição de pais lhes atribuiu, mas secretamente aliviados por terem menos uma boca a alimentar. O papel lá se há de encontrar na aldeia, guardado na caixa das preciosidades da família junto do crucifixo e dos brincos que a mãe usou uma única vez no dia do casamento, sem que nunca nenhum dos seus membros o tenha lido, embora a mãe talvez tenha pedido ao padre ou ao senhor Francisco, escrivão do regedor, que lhe traduzisse os rabiscos em algo que pudesse entender. Sidónio também já sabe o que contém. Primeiro disseram-lho, e, mais tarde, ler e escrever papéis daqueles fez parte do que aprendeu antes de pela primeira vez pôr os olhos numa passarola.
 Gostaram? Querem mais? Amanhã, na Fantasticon.

2 comentários:

  1. Sim e Sim! :D

    Quando é q esta maravilha tá disponivel cá em Portugal ?

    Raio do texto pá... deixou-me mm curioso e completamente in-the-mood com o ambiente descrito.

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  2. Boa, boa...

    Vou tentar impingir isto aí a uma editora, vamos lá a ver o que ela diz. Só estou à espera de aparecerem as primeiras críticas, e a fazer figas para que sejam elogiosas. ;)

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