Os Primeiros Aztecas na Lua (bib.), de Flávio Medeiros, Jr., é uma movimentada história de espionagem cuja galeria de personagens é composta em grande medida por Júlio Verne, H. G. Wells e respetivas criações. O clima é de guerra fria, entre uma França muito inchada com as suas conquistas na Europa e nos impérios coloniais das potências que engoliu (especialmente o português), e uma Inglaterra hegemónica nas Américas (onde controla pelo menos a maioria do território que no nosso mundo foi espanhol) e na Ásia. Nessa guerra fria têm grande relevo os dois monstros sagrados da ficção científica do século XIX e do início do século XX, ambos com altos cargos nos respetivos governos. As personagens de um e do outro também se mostram relevantes, ainda que nem sempre do mesmo lado dos seus criadores; Para dar um exemplo, Robur, personagem de Verne, lidera as forças aéreas inglesas.
A mim, a noveleta fez imediatamente lembrar o romance de Octavio Aragão, A Mão que Cria, onde também existe esta mistura entre personagens reais e de ficção, mas acima de tudo a novela Não Estamos Divertidos, de João Barreiros. Com efeito, tanto a história de Medeiros como a de Barreiros se focam na rivalidade entre Wells e Verne. Tanto numa como na outra, as personagens de um e de outro têm existência "real" no contexto das histórias e interagem com os seus criadores. Tanto uma como a outra envolvem viagens espaciais, pelo menos em aparência; a trama de Medeiros gira em volta de uma viagem à Lua, a de Barreiros em volta de uma viagem a Marte. Tanto numa como na outra, a cavorite (elemento fictício, criado por Wells, que não é afetado pela gravidade como a matéria normal) é relevante.
Mas esta noveleta é mais movimentada do que a de Barreiros, é muito mais rica em personagens e referências, embora não jogue com a dependência da criação relativamente ao criador com que a novela do português joga e que lhe confere outra profundidade. Apesar da ideia-base ser no fundamental idêntica, a abordagem que sofre é diferente. O facto de ler uma delas tornará a outra reconhecível nos seus elementos-chave, mas não a torna previsível.
Gostei bastante da história de Flávio Medeiros, apesar de um ou outro detalhe que forçou um pouco em demasia o meu sentido de verosimilhança. A páginas tantas, por exemplo, uma personagem enfia as mãos nas entranhas de um cadáver e, embora nunca chegue a limpá-las, a história prossegue como se o homem tivesse acabado de sair do banho. Mas mesmo com um ou dois detalhes deste género, a história é bastante interessante, tem um bom ritmo, e está bem concebida e bem escrita.
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