terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Lido: 333

Peguei em 333 muitíssimo desconfiado, julgando tratar-se de mais uma da miríade de histórias secretas mais ou menos cabalísticas, mais ou menos templárias, que tem proliferado no mundo literário desde que Dan Brown cometeu o seu Código Da Vinci, e das quais tenho lutado, com sucesso e diligência, por me manter bem afastado. Não só o título, que remete imediatamente para o famigerado Número da Besta, mas também o grafismo da capa, faziam temer o pior. Mas este livro apareceu de paraquedas cá por casa, de modo que resolvi lê-lo, com desconfiança e tudo.

E descobri que se trata, realmente, duma história secreta, mas não propriamente do mesmo género. Pedro Sena-Lino, o autor, não escreveu um romance, propriamente, mas sim uma compilação de historietas sobre o que aconteceu aos 333 exemplares que foram impressos de um livro antigo e razoavelmente maldito, cujo principal crime é versar o amor e o desejo vistos sob o ponto de vista duma mulher, que além de mulher era freira. A semelhança com a soror Mariana Alcoforado e suas romanticíssimas cartas não é coincidência, pura ou impura. Sena-Lino estuda a literatura feminina de tempos idos, e procura de facto com o seu livro fazer uma homenagem à velha freira alentejana.

Mas fá-lo duma forma que, embora a princípio pareça apenas algo desconcertante, depois se torna aborrecida de tão monótona. Ao seguir a "vida" de cada um dos 333 exemplares, Sena-Lino descreve-nos uma sucessão de acidentes, percalços, incêndios, inundações, o diabo a quatro, que vão destruindo quase metodicamente toda a edição. Concomitantemente, os donos dos livros vão também tendo os fins mais variados, transformando o livro (o de Sena-Lino, não o dos 333 exemplares) numa longa sucessão de tragédias. Não há exemplar e respetivo dono que mereça mais do que meia dúzia de páginas, de modo que não há história que sofra desenvolvimento suficiente para agarrar o leitor, e não há personagem que ultrapasse o esboço. Nem poderia haver, visto que o autor se auto-impôs a tarefa de se desembaraçar de 333 livros ao longo de menos de 200 páginas.

Quem não quiser spoilers sérios faça favor de saltar o próximo parágrafo, porque vou ter de desvendar nele o final de 333 a fim de referir algo de relevante. Aviso feito, avante.

No seu desfecho, 333 acaba por adquirir tons de fantástico, na vertente todoroviana da palavra, embora haja também nele muito de alegoria. Ao ser destruído o último dos 333 exemplares do livro, o fantasma da autora é libertado, fazendo-nos reavaliar todos os acontecimentos passados. A parte alegórica é óbvia e algo banal, e parte da velha ideia de que o escritor coloca parte da alma naquilo que escreve. Mas esse final parece-me mais interessante por sugerir (e apenas sugerir) que a destruição dos 333 exemplares se fica de facto a dever à ação do fantasma da autora, aflito por ganhar a liberdade por que ansiava há muito.

Em suma, não posso dizer que tenha gostado deste livro. Um final com algum interesse não compensa de forma alguma a monotonia das muitas páginas que a ele levam, e confesso que o usei por mais do que uma vez como forma de curar insónias. Mas acredito plenamente que haja quem se delicie com todas as historietas que o compõem. É a velha questão de gostar-se de amarelo. E eu, não gosto.

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