Golfinho de Júpiter (bib.) é uma novela de ficção científica de Mary Rosenblum cujos protagonistas são um feroz jornalista de investigação, possuidor duma complicada história pessoal que envolve a perda de um filho, vítima de doença alguns anos antes da época em que a história se desenrola, e uma inteligência artificial instalada numa sonda que se destina a explorar a camada semilíquida de Júpiter, onde uma outra sonda, anos antes, detetara inconclusivos sinais de vida. O contacto entre os dois faz-se porque o primeiro é destacado para investigar o segundo. Mas entre ambos não existe apenas essa ligação. É que o jornalista, para tentar salvar a vida do filho, fora obrigado a interná-lo em instalações médicas tão dispendiosas que tivera de assinar um contrato dando autorização para a comercialização de tudo o que nela fosse comercializável no caso da criança não sobreviver. Ora, uma das coisas comercializáveis era o conjunto dos padrões de voz, e acontece que este conjunto fora vendido precisamente à empresa que construía a sonda, para nela ser instalado.
É em grande medida esta improvável coincidência que vai mover a ação, porque o jornalista não se consegue abstrair do filho morto sempre que fala com a IA da sonda (que ainda por cima tem uma personalidade juvenil, aparentando mais ou menos a idade que o filho tivera quando morrera) e os seus atos são em grande medida determinados por isso, quer numa fase inicial de revolta, quer mais tarde, numa fase de proteção, depois de desenterrar alguns factos desagradáveis sobre o financiamento da expedição e aquilo que certos indivíduos sem escrúpulos pretendem fazer com ela.
É uma história complexa, com algumas ideias interessantes, e bem contada, embora na edição portuguesa tenha sido prejudicada por terem sido omitidos os espaços em branco entre as várias cenas da novela, imagino que numa tentativa de poupar páginas. É muito má ideia. Esses espaços não são mero capricho de escritor sem mais nada que fazer; servem para separar graficamente as cenas, que sem eles se amalgamam num todo confuso, prejudicando sobremaneira o fluir da leitura.
De resto, a história, apesar de já ter mais de dez anos, continua muito relevante nesta época de crise económica e de cada vez maior privatização do acesso ao espaço. É que além do dilema do jornalista e da sua relação com a IA da sonda, aquilo que mais move o enredo é precisamente o que significa fazer ciência sujeita às condicionantes do financiamento privado. As concessões que isso exige, a pressão que exerce sobre a integridade dos cientistas e das condições sob as quais a investigação tem lugar. E as conclusões que a autora tira não são as melhores.
Gostei do que li. Esta é uma boa novela de FC.
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