segunda-feira, 4 de julho de 2011

Lido: Vigésima Tierra

Vigésima Tierra, de Daniel Mares, é um curioso romance de ficção científica que tem como base as ideias do budismo. O autor postula a existência de um "Rio", cuja natureza nunca é concretizada mas cujo efeito é a possibilidade de viajar entre as estrelas a velocidades mais rápidas do que a da luz, mas só ao longo do seu curso, no sentido em que ele flui. Quem queira viajar noutros sentidos tem de se contentar com velocidades sublumínicas, e claro que nunca ninguém o faz.

Ora, a existência do Rio abre as portas à transmigração, isto é, ao movimento de pessoas e bens ao longo de uma cadeia de "Terras", da original, a nossa, até uma Terra indeterminada (pelo menos a princípio), sendo que o direito à transmigração se conquista através do aperfeiçoamento pessoal, do contínuo melhoramento do karma. Apesar do fundo religioso, porém, nada nisto existe de místico; o Rio é um fenómeno físico, as decisões sobre quem transmigra e quem se fica cabem a um muito humano "Conselho de Brâmanes", os envios de cartas e outros objetos são decididos por burocratas, etc.

A história tem lugar na Vigésima Terra, que deveria já ser um planeta livre da quase totalidade dos defeitos de anteriores pontos de escala do Rio. Mas neste lugar potencialmente paradisíaco começam a ocorrer estranhos fenómenos: assassinatos e tentativas de assassinatos, atentados bombistas, corpos que aparecem e desaparecem, pessoas que não constam dos registos, etc. Tudo gira em volta de um burocrata que se põe a investigar o que não deve e de um autor charlatão que ganha a vida escrevendo livros cheios de factos inventados sobre OVNIs. E o que gira em volta destes fulcros é uma história de mistério que, apesar de algumas inconsistências, acabou por me parecer em geral bastante bem esgalhada e que traz como bónus alguma reflexão, cínica, sobre a corrupção nas sociedades humanas e sobre até onde as pessoas estão preparadas para ir seja para desvendar a verdade, seja para manter a sociedade imune à mudança.

É, pois, um romance interessante, original na premissa e com uma concretização em regra competente. Não será propriamente uma obra-prima, mas agradou-me bastante lê-lo.

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