terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Erras-te

Há dias mandei para o meu twitter a seguinte perplexidade:
Não percebo porque raio pessoas que lêem habitualmente escrevem coisas como "fizes-te"

Seguiu-se uma breve troca de impressões com outros twitters, da qual não saiu conclusão alguma (àparte isto ser algo com uma certa tendência para causar "MEDO" às pessoas), claro. O twitter não se presta para tirar conclusões.

Também tenho lido com alarmante frequência, nos últimos tempos, desabafos apocalípticos acerca do estado miserável do português escrito em 2009. Que cada vez se escreve pior, diz-se. Que já ninguém sabe conjugar verbos, lamenta-se. Que está tudo entregue à escrita SMS, chora-se, entre baba e ranho. E a verdade é que a rapidez e imediatismo da escrita que acontece na maioria dos veículos modernos para o texto escrito não é propriamente amiga de uma grande reflexão sobre as palavras que se usam ou deixam de usar. Não se coaduna bem com preocupações estilísticas. É rápida, viva e dinâmica, aproximando mais o discurso escrito ao oral do que alguma vez esteve no passado. E, obviamente, sofre de gralhite galopante, como este blogue exemplifica na perfeição.

Mas já estão mesmo a ver que vai haver aqui um "mas", não estão?

Tenho uns leitores tão inteligentes que chega a ser ternurento.

O mas é que li ontem um conto. Quinze páginas de texto traduzido do francês e publicado, profissionalmente, em 1976. Há 33 anos, portanto. Antes de todas estas inovações, numa época em que havia em Portugal mais de 10% de analfabetos e a língua escrita era encarada com uma reverência que hoje não existe. E em que não existia nem SMS, nem twitter, nem chats, nem blogues, nem nenhum destes modernos promotores da escrita rápida. E no entanto...

No entanto, o conto contém palavras como "esforçei-me". Contém palavras como "sentar-mo-nos". Contém palavras como "tocar-mo-nos". Entre outras que, como não anotei, agora não encontro. Palavras escritas pelo tradutor e deixadas passar pelo revisor, publicadas e postas à venda. Em 1976.

Conclusões? Que se calhar uma parte importante da escrita-cada-vez-pior de hoje se deve a uma memória deficiente. A malta esquece-se das asneiras de ontem, e quando vê as de hoje parecem-lhe novas. Se calhar não são. E que, se até profissionais de escrever se saem com bacoradas deste calibre, não me devia espantar que gente que até pode ler, mas não está necessariamente habituada a escrever, as cometa.

Apesar disto, acho que continuará sempre a espantar. Ninguém me paga para ser coerente.

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