Como já disse algumas vezes (por exemplo, aqui), sou próximo do Bloco de Esquerda desde que o partido se formou, em 1999. Até 2011, fui aquilo a que se costuma chamar um simpatizante: alguém que é próximo mas não filiado, que vota normal mas não exclusivamente no partido, que se identifica com a maioria das suas propostas mas não com todas.
Em finais de 2010, início de 2011, comecei a notar os primeiros sinais sérios de um certo desvario, que me levaram até a ter grandes dúvidas sobre se valeria a pena votar no partido nas eleições desse ano. Acabei por votar. Mas depois das eleições pus-me a pensar. E a 12 de junho, farto de tanto e tão crasso erro, vendo que ou se fazia alguma coisa ou em breve deixaria outra vez de ter em quem votar, tomei uma decisão: aderir ao Bloco. O objetivo? Tentar contribuir para que se cometessem menos erros, participando até certo ponto da vida interna do partido (só até certo ponto porque nem tenho tempo nem espírito de ativista), mas fundamentalmente votando em gente que, a meu ver, fosse capaz de evitar cair no mesmo tipo de disparates.
E foi o que fiz, na convenção seguinte.
Infelizmente, fui traído: parte dessa gente a primeira coisa que fez a seguir a ser eleita foi pôr-se na alheta.
E os erros, como se sabe, não pararam, apesar de nunca terem voltado a ter a mesma amplitude e catastrófica repercussão daquele destrambelhadíssimo início de 2011.
Portanto este ano resolvi participar mais ativamente, escrevendo coisas, debatendo ideias, fazendo propostas. Coisas destas. Às duas por três, vejo-me contactado pela mesma gente em quem tinha votado dois anos antes (aqueles que ficaram). Queriam reunir-se comigo — andavam a preparar uma moção para concorrer este ano. Achei ótimo: ia voltar a ter em quem votar com vontade. Uma reunião, outra reunião, às tantas descubro que a parte algarvia dessa malta queria pôr-me à cabeça da lista de candidatos a delegados. Recusei terminantemente, mas lá me convenceram a ficar em segundo lugar. Aceitei porque pensei que era bem possível que acabasse por não ser eleito e, se fosse, participar de um congresso partidário (nós chamamos-lhes "convenções", mas é a mesma coisa) era uma experiência nova e podia ser interessante, quanto mais não fosse porque me faria conhecer melhor o que é o partido.
Fui mesmo eleito delegado. Pronto, está bem.
A convenção era uma semana depois. Dias antes de começar, descubro que me querem pôr numa lista para a Mesa Nacional. Digo-lhes claramente que é má ideia. E lá fui para Lisboa reunir-me com eles à volta de um jantar, convencido de que não me seria difícil dissuadi-los. Ao jantar, descubro que estava bem enganado: nunca vi tanta gente a não querer candidatar-se a dirigente de um partido político. Eram nãos atrás de nãos, sins-mas-mais-abaixo atrás de sins-mas-mais-abaixo, nem-pensar-nissos atrás de nem-pensar-nissos. E eu, ali no meio, sem saber muito bem o que dizer, descubro-me listado, e, pior, em posição elegível. Argumentei, chamei-lhes lelés da cuca por me quererem pôr naquela posição, mas a verdade é que era só mais uma voz renitente entre muitas. Podia ter recusado taxativamente? Podia. Mas depois o Algarve ficava sem representação, e tinha de se refazer a lista toda porque seria demasiada Lisboa junta e haveria que encontrar mais gente de fora para o meu lugar, e não havia, e isto, e aquilo, e mais um critério, e mais outro, e mais algum, e "de qualquer maneira vais lá parar mais tarde ou mais cedo porque há sempre gente que sai". Portanto limitei-me a desaconselhar veementemente a minha inclusão na lista e sentei-me. Ninguém me ligou peva.
E lá fui para a convenção. A posição era elegível mas a eleição não era certa: podia haver faltas, votos transferidos à última hora, tanta coisa. Em suma: havia esperança de ficar de fora, pelo menos para já.
Mas qual quê! Fui mesmo eleito. Fui o último eleito dos 79, mas fui.
E assim, sem saber bem como, sem vontade nenhuma, tornei-me dirigente do Bloco de Esquerda três anos depois de ter entrado no partido única e exclusivamente para tentar contribuir para pôr na direção gente capaz de fazer menos disparates.
Conhecem muitos partidos em que algo assim seja possível? Eu não conheço nenhum, pelo menos entre aqueles que têm alguma dimensão.
E agora?
Agora vou fazer o que faço sempre que meto as mãos a alguma obra: o melhor trabalho possível, tentando, obviamente, contribuir para que não se façam disparates. Uma coisa, no entanto, é certa: não planeio tratar quem votou em mim, por mais indireto que esse voto seja, como o Daniel Oliveira me tratou a mim: tenciono ficar até ao fim (a menos que me revele incompetente para a tarefa, caso em que é melhor que saia). Não sei se será possível, mas é o que tenciono fazer. E vou tentar também fazê-lo sem mergulhar na bolha política. Tive um contacto de raspão com ela há uns anos e não gostei nada do cheiro.
Até escrevi um livro sobre isso e tudo.
A vida dum gajo dá umas voltas do caraças, essa é que é essa.
E o que acontecer, acontecerá.
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