Aviso prévio: é impossível falar duma forma inteligível deste livro sem revelar o seu enredo. Aconselha-se os mais sensíveis ao fator-spoiler a manterem-se bem afastados deste post. Estão avisados.
Toda a gente conhece, suponho, a história de E Tudo o Vento Levou, provavelmente através do filme, embora o livro em que aquele se baseia também seja bastante conhecido. Não será surpreendente, portanto, que quem pegue num livro intitulado E Tudo o Tempo Levou faça a associação. Mas ela, embora exista, não é nem tão óbvia nem tão forte como os títulos portugueses fazem supor. Os portugueses; os originais são bem diferentes: Gone With the Wind e Bring the Jubilee, respetivamente.
E Tudo o Tempo Levou (bib.) é um romance de ficção científica e história alternativa, publicado em 1953 por Ward Moore. Começa por ambientar-se nuns Estados Unidos da América muito reduzidos, algumas décadas depois do Sul ter ganho a Guerra Civil Americana. Uns EUA não só derrotados, mas também terceiro-mundistas, dominados pelo crime organizado, e nos quais não parece haver esperança de futuro. O protagonista é um jovem oriundo do campo, com uma paixão pela história, que decide ir tentar a sua sorte para a cidade mas não encontra exatamente aquilo que procurava. Não imediatamente, pelo menos, pois ao fim de alguns anos acaba por associar-se a uma espécie de comuna de investigadores e cientistas que parece cumprir o destino que procurava, e está situada não muito longe do local onde o Sul vencera a guerra: Gettysburg. É nessa comuna que se dá uma descoberta fulcral: a mais genial das cientistas que dela fazem parte descobre como construir uma máquina do tempo. E constrói-a. E o nosso historiador decide ir observar de perto o momento definidor do seu país, para melhor poder escrever a sua tese sobre a guerra. Mas comete um erro, uma insignificância, que acaba por transformar o seu mundo... no nosso. O Norte vence a guerra e tudo muda. Tudo.
É verdade, enredos em que os Estados Confederados da América vencem a guerra só são ultrapassados na escala do cliché da história alternativa por aqueles em que é o Eixo que vence a II Guerra Mundial. A solução dos paradoxos inerentes à viagem do tempo com a alteração da linha temporal, transformando uma alternativa naquilo que aconteceu na história verdadeira, também está vista e revista. Mas é precisamente por isso que há uma coisa bastante mais importante do que as ideias na literatura: há o modo como elas são postas em prática.
E neste caso, esse modo é francamente bom. O mundo alternativo está bem desenvolvido e é credível, as personagens têm profundidade e são, de novo, credíveis. Seres de carne e osso. E a história está bem contada. Apesar dos clichés que contém, não se torna muito previsível, porque, à semelhança da História com H grande, há sempre vários caminhos por onde poderia seguir. Só é pena o grande número de erros de edição que prejudicam bastante a leitura (palavras coladas, falta de travessões em diálogos, etc.), e uma tradução com falhas. Não fosse isso, e este seria um belo livro. E ainda há quem diga que a edição em Portugal está em degenerescência.
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