quinta-feira, 15 de abril de 2010

Anonimatos e ratos

Para quem pensa que a questão dos anónimos não tem importância porque "a net é assim", recomendo uma visitinha ao passado. Um recuo de alguns séculos.

Era uma época em que as casas das vilas e cidades europeias se encostavam umas às outras ou eram separadas por vielas ou ruas estreitas, largas apenas o suficiente para por elas passar uma carroça, e quase invariavelmente inclinadas. Esquecidas que estavam algumas das lições que os romanos deram aos povos dos territórios que conquistaram, pelo centro dessas ruas e vielas corriam regueiros nauseabundos, para onde era despejada toda a porcaria produzida nas casas em redor. Das cascas de cenoura às águas de lavagem, da urina aos excrementos de pessoas e animais e aos vómitos de bêbados e doentes. E, claro, com tanta comida à disposição, era todo um ecossistema que partilhava essas ruas e essas casas com as pessoas. Ratos e ratazanas. Baratas. Percevejos. Mosquitos. E, claro, os gatos gordos e bem alimentados que deles se serviam.

Não terão sido poucos os que, depois de pela enésima vez chegarem a casa com os sapatos cobertos de bosta, acharam que se devia fazer alguma coisa para afastar o lixo das suas vidas, mas se o tivessem dito a alguém certamente teriam recebido a resposta de sempre dos "inteligentes" de plantão: "As coisas são assim. Habituem-se."

Então, só poucos suspeitariam, mas era precisamente esse ambiente nojento que propiciava a propagação das doenças. Foi precisamente por causa dessa falta de higiene que a peste negra matou um terço da população da Europa. Porque as pragas se disseminam sempre em condições assim. E quem sofre as consequências são, sempre, as pessoas. Quer aquelas que contribuem para a nojice reinante, ou por vontade própria ou por não terem alternativa, quer as que não o fazem.

Hoje, é a internet que, segundo os génios de plantão, "é assim". Está cá tudo. O esgoto a céu aberto, as ratazanas, os percevejos, as baratas, os mosquitos. E, claro, os gatos gordos e bem alimentados que deles se servem. E as doenças, naturalmente, propagam-se, com o beneplácito, consciente ou inconsciente, dos que dão palmadinhas hipócritas nas costas de quem se indigna com tentativas anónimas de assassínio de caráter e dizem: "é assim; habitua-te".

As ratazanas agradecem.

Mas, por aqui, e num número crescente de outros locais (é esse, aliás, um dos segredos do sucesso de redes sociais como o facebook), há canalizações. São imperfeitas? Evidentemente. São melhores que nada? Só pode duvidar de que o são quem nunca teve email sem um filtro de spam eficiente.

Ou então quem goste de chafurdar no estrume, quem se alimente das ratazanas e baratas, quem as use para os seus fins inconfessáveis.

Pois bem: eles que fiquem lá bem espojadinhos na lama deles. O resto de nós, ou parte para sítios mais salubres, ou vai construindo lentamente um cordão sanitário em volta dos seus queridos esgotos. Lixo, só lê quem quer.

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