São frequentemente propostas regras para se escrever bem ficção científica. Por vezes, não passam de invencionices com origem neste ou naquele dono da verdade sem talento, mas muitas delas são resultado das muitas experiências que foram sendo mal sucedidas ao longo da história do género. Originam-se na tentativa e erro e, como todas as regras que têm idêntica origem, são sobretudo afirmações de bom senso. Que a prosa poética não resulta bem na ficção científica caso o autor não se chame Bradbury e por isso é de evitar, por exemplo. Ou que é péssima ideia interromper a narrativa com longos despejos de informação, os infodumps. Etc. Há muitas dessas regras, e todas têm a sua razão de ser.
Mas, claro, sempre que surge uma regra, surge um escritor ansioso por violá-la.
Gregory Benford, cuja noveleta The Clear Blue Seas of Luna viola precisamente as duas regras que dei como exemplo, é um desses escritores. Nesta noveleta usa uma linguagem alegórica, extremamente rica de imagens, muito poética, para ir descrevendo a terraformação da Lua em longos infodumps tão bem escritos que são uma delícia de ler. A história subjacente tem muito de banal — um conflito entre o indivíduo-transformado-em-IA que coordena a terraformação do nosso satélite e um clã que pretende aceder aos seus recursos e interromper o processo ou mudar-lhe a direção, usando para isso a força, se necessário. E por isso acaba por ser muito secundária. Porque o que fica realmente na memória são as descrições que Benford faz do processo e o modo como as faz, virando do avesso as convenções de como escrever-se bem FC. Esta noveleta lê-se quase como um longo poema, ou uma longa carta de amor à ideia de manipular a natureza para insuflar vida num mundo morto. E, extraordinariamente, funciona.
É uma história que comprova uma vez mais que quem se compraz em tecer considerações sobre a frieza da ciência, ou dos cientistas (Benford é físico) não faz a mais pálida das ideias do que está a dizer.
Muito, muito bom.
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