quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Lido: Breckenridge e o Contínuo

Breckenridge e o Contínuo (bib.) é mais uma história bastante experimental de Robert Silverberg. Com o tamanho de uma noveleta, centrada num tal Breckenridge, homem de negócios de Wall Street que tem uma espécie de epifania e descobre-se preso numa vida sem sentido. A história é, uma vez mais, descontínua, e subdivide-se entre a vida banal do Breckenridge-de-Wall-Street e episódios das andanças de um outro Breckenridge, ou do mesmo, talvez arrancado ao seu lugar próprio no contínuo espaço-temporal e atirado para um futuro muito, muito longínquo, no qual o mundo está reduzido a uma cidade murada no meio de um deserto salgado, de uma forma bastante surreal, bastante onírica.

O conto é tudo menos fácil, e eu acabei a leitura com a impressão de que há nele uma dimensão simbólica, provavelmente relacionada com o judaísmo, que me passou grandemente ao largo, ainda que não por completo. Por exemplo: o Breckenridge do futuro longínquo conta histórias a um grupo de outros homens, algo alterados relativamente aos homens do presente, que terá encontrado ao achar-se naquele lugar. Todos gostam muito, todos o ouvem com grande atenção. E as histórias que Breckenridge conta são subversões de mitos, lendas e literatura da civilização humana. Coisas como a "história de Xerazade e os Quarenta Gigantes", por exemplo. É como se, através dessas histórias de Beckenridge, Silverberg nos estivesse a querer dar uma ideia de enovelamento do contínuo em que a sua história se desenrola, de interseção e mistura de diferentes tempos, de diferentes mitos, de diferentes ideias, de diferentes personagens.

Mas isso é só um detalhe ente muitos. Esta é daquelas histórias escritas não tanto para contarem uma história, mas para serem interpretadas. Uma daquelas histórias que convidam à exegese — tal como a mitologia que lhe serve parcialmente de matéria-prima, aliás. Pode ser só uma brincadeira de um Silverberg travesso que apresenta o manuscrito e como que diz "vá, tomem lá esta coisa, vejam lá se arranjam para ela algum sentido". Pode ser mais, e provavelmente é mesmo. Seja como for, não é noveleta para qualquer leitor. É noveleta para aqueles leitores que gostam de escarafunchar o mais fundo possível nos significados ocultos do que leem. Esses, julgo eu, têm aqui pratinho cheio. Quem procure história, ação, até, de certa forma, profundidade psicológica das personagens — o Breckenridge não é a personagem de papelão tão típica de tanta FC, mas também não merece aqui um retrato muito aprofundado, até porque a dimensão do texto não o permitiria — talvez deva ir procurá-las a outro sítio.

Pessoalmente, estou algures no meio. Não tenho paciência (nem tempo) para tentar aprofundar muito a análise, mas apreciei bastante a complexidade que Silverberg conseguiu incutir nesta história, e o experimentalismo do texto. Não terei compreendido por completo o conteúdo, mas gostei da literatura.

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