Ao Perdedor, as Baratas (bib.) é uma noveleta algo estranha de Antonio Luiz M. C. Costa, em parte história alternativa, em parte aventura pulp, em parte utopia política e em parte fantasia kafkiana. Passa-se num mundo alternativo, com um ponto de divergência que nunca fica inteiramente claro mas é antigo, data pelo menos de vários séculos antes dos presentes, tanto o ficcional (que parece situar-se por volta de meados do século XX) como o real. Nesse mundo, a América não se chama assim mas Colômbia — o que, até que o leitor deslinda a diferença das Colômbias, a real e a ficcional, causa alguma confusão — e a sua metade norte não foi colonizada pelos ingleses, mas pelos holandeses. Não é, contudo, aí que se desenrola a história, embora esse facto tenha importância por ser um cidadão da Colômbia do Norte o protagonista da história, e por esse país se encontrar em fase de resvalamento para um regime muito semelhante ao regime nazi da Alemanha da nossa realidade, com todas as implicações que esse facto tem. O protagonista, aliás, não se limita a ser cidadão: é também agente secreto, e tem uma mentalidade muito semelhante à dos nazis. Por seu lado, o Brasil, lugar onde a história se ambienta, é uma república democrática, industrializada e culturalmente integrada, misturando num todo, ainda que não inteiramente pacífico e coeso, as suas heranças índia, portuguesa e africana. O início da história vai encontrar este país em plena campanha eleitoral para umas eleições presidenciais nas quais um candidato comunista (e indigenista) leva vantagem. A tarefa do protagonista é precisamente mudar o rumo da campanha brasileira, impedindo o triunfo da esquerda. Como? Através de um atentado perpetrado por uma arma secreta.
E por aí vai.
Basta esta introdução, que nem chega a falar de muitos outros detalhes importantes para a história, para se perceber que esta noveleta está repleta de conteúdo. Esse, aliás, é o seu maior defeito: não se limita a estar repleta de conteúdo, mas transborda. Tem tanta coisa, é um tal turbilhão de ideias, personagens, ambientação ucrónica, tudo e mais alguma coisa, que o autor se vê obrigado a deixar as personagens mal caracterizadas e a entrecortar a trama com digressões algo longas para situar o leitor na história — e mesmo assim não evita algumas confusões, como no supracitado caso da Colômbia do Norte — enquanto mantém a extensão do texto suficientemente curta para o reduzir a noveleta. O material é simplesmente demasiado. Tudo o que aqui se encontra, explorado de uma forma mais aprofundada, daria para uma novela, e não das mais curtas. Acrescentando-lhe um ou dois arcos de história (ou talvez uns "ramais", umas analepses, uns saltos no tempo, coisas dessas) facilmente se chegaria ao romance. E eu julgo que a história ficaria melhor assim.
Porque não consegui deixar de sentir, ao acabar a leitura, aquela sensação de potencial imenso mas insuficientemente explorado que por vezes sentimos ao lermos ficções curtas que facilmente dariam longas. Porque quis conhecer melhor várias daquelas personagens que fazem aparições fugidias ao longo da trama e até o próprio protagonista, também ele pouco tridimensional. Porque a alternativa histórica me pareceu potencialmente muito rica. Porque, em suma, tudo aquilo me interessou bastante e acabou depressa demais deixando uma sensação de incompletude. Esta poderia ser uma boa novela, até um bom romance. Mas não me parece que seja uma boa noveleta. Sou de opinião que cada história tem um tamanho certo, aquele tamanho que realmente lhe faz justiça, e acho que o desta não é este. Fica a esperança de que o autor um dia o encontre. Porque julgo que a história o merece.
Ah, e Kafka, onde fica? Nas baratas, pois claro. E mais não digo, que isto já vai longo.
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