Julieta (bib.), de Pinheiro Chagas, é um romanticíssimo conto de horror sobrenatural sobre um jovem que se perde de amores pelo fantasma de uma mulher de superlativa beleza. E quando digo romanticíssimo refiro-me mesmo às características (e aos ridículos) da literatura romântica: o absurdamente exagerado sentimentalismo, a inverosimilhança das paixões, a linguagem empolada e pretensiosa, tudo isso. Na prosa de Pinheiro Chagas, as personagens não falam: peroram. Também não vivem: trambolham de cascata emocional em cascata emocional sem qualquer controlo nem o mínimo sinal de inteligência. Tudo, por profundíssimo que se apresente, é duma superficialidade atroz. O protagonista desta história põe os olhos numa mulher — ou naquilo que julga ser uma mulher — e imediatamente passa a amá-la "mais do que à vida". Porquê? Porque é bela, pois então! E haverá mais alguma qualidade feminil capaz de fazer um mancebo perder-se de amores? Claro que não! Só a beleza existe, especialmente se salpicada de uma pitadinha de mistério. Quem é ela, oh, perdição do coração!, quem é?
Perfeitamente ridículo.
E no entanto...
E no entanto há neste conto certos detalhes que me levam a não o renegar completamente como simples exemplo da má literatura romântica. Pinheiro Chagas entrelaça no enredo principal pequenos toques de um humor irónico, apontado às hipocrisias e — sim — aos ridículos da sociedade do seu tempo. E há neste conto uma certa qualidade cinemática. Apesar da banalidade de boa parte do enredo, certos pormenores, certos detalhes descritivos, conseguiram levar-me a pensar em imagens. Expurgado dos exageros de linguagem, melhor explorado aqui e ali e transformado em guião, este conto não daria um filme de longa metragem porque não tem dimensão para tal, mas, bem filmado, com bons efeitos especiais (sim, precisaria deles), poderia dar um bom episódio de uma série fantástica ou uma boa curta.
E isto é uma qualidade.
Este livro foi comprado.
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