Pais da Aviação (bib.) é uma noveleta de Gerson Lodi-Ribeiro que consiste de quatro pequenas histórias interligadas, ambientadas num universo alternativo em que a Revolução Francesa teve completo sucesso e a França napoleónica conseguiu conquistar a maior parte da Europa (e consequentemente a maior parte do mundo, dado que à época quase todos os países da Europa Ocidental possuíam vastos impérios coloniais). Como? Graças à tecnologia, bien sûr. É um texto interessante, bem escrito e bem construído, que o autor consegue tornar verosímil apesar de cair numa tendência comum a muitos escritores de história alternativa e que me parece altamente problemática em termos de verosimilhança: a conservação, em linhas históricas profundamente alteradas, dos mesmos indivíduos que ocuparam lugares-chave na nossa. E assim surgem aqui Júlio Verne, os irmãos Wright, Santos-Dumont, etc. Percebo a tendência, percebo a tentação da homenagem, da transmutação da pessoa em personagem, mas não a acho minimamente lógica em termos de coerência, do que está por trás do próprio conceito de história alternativa.
Por outro lado, em literatura vale tudo. E quando o resultado é bom, como me parece ser aqui o caso, há que pôr essas picuinhices um pouco de parte. Como facilmente se poderá deduzir de algo baseado nos atos de Napoleão e sucessores, a noveleta foca-se em peripécias militares, em detalhes geopolíticos, e no efeito de avanços tecnológicos sobre as estratégias militares em cada época retratada (ou sobre as próprias tecnologias e os seus inventores). Como seria a batalha naval de Trafalgar se a frota franco-espanhola dispusesse de navios a vapor? Qual o impacto da aviação ou de agentes químicos ou biológicos nas correlações de forças nos campos de batalha? Que forma assumiria o mundo se fosse dominado tão completamente pelos franceses? Gerson Lodi-Ribeiro responde com uma boa noveleta, cujo maior defeito é ter-me parecido por vezes demasiado concentrada em criar o cenário do que propriamente em contar histórias nele ambientadas. Fica uma certa sensação de esboço de algo maior, de que há ali muito pano para ser aproveitado em mangas que por enquanto — julgo eu — não apareceram.
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