(Este texto vem na sequência de outros cinco: este, este, este, este e mais este.)
Com a edição tradicional em crise, sufocada por um mercado encolhido artificialmente a toque de austeridade, sobrecarregada pela penetração cada vez maior das publicações e leitores eletrónicos, pressionada pela facilidade com que se importam livros na língua original e pelos preços a que mercados bem mais pujantes do que o nosso conseguem chegar, mercados em que não só as economias de escala criadas pelas grandes tiragens, como a valorização do euro face a outras divisas, como até coisas tão básicas como o próprio preço do papel, geram um forte impacto no preço de venda ao público, embaratecendo-o significativamente, publicar é uma aventura de alto risco para qualquer autor. As editoras a sério não têm margem para grandes aventuras, e, compreensivelmente, retraem-se. Umas entram pelo território das epses (ver aqui) e contrapõem contratos duvidosos a quem lhes propõe projetos, outras simplesmente recusam coisas que noutros momentos aceitariam. E assim por diante.
Neste ambiente, qual será a melhor forma de publicar?
A minha resposta a esta pergunta é: depende.
Depende não só do tipo de autor que se é, do tipo de obras que se produz, mas até de cada obra em concreto. Depende de se estar, ou não, disposto a entrar no jogo das modas, das séries, do que vende, do que tem, à partida, mais possibilidade de ser aceite por alguma editora a sério, publicado e ser depois aceite também pelo público. Depende de se ter plataformas de divulgação externas ao ato literário ou não, e em particular de se ser, ou não, uma cara conhecida da TV. Depende de outras coisas menos verticais, do velhíssimo tráfico de influências que permeia toda a sociedade tuga e ao qual o meio literário não escapa nem nunca escapou; de contactos, de conexões, da capacidade de cada um para o sorrisinho e a palmadinha nas costas hipócrita nos momentos convenientes, dos amigos e dos desamigos. Depende da obra ser prosa ou poesia, contos ou romance ou outras coisas. Depende da obra ser enquadrável no mainstream ou ser obra de género, e de que género. Depende de haver nela personagens históricas reais ou não, depende de conter conspirações mais ou menos relacionadas com o Vaticano, depende de poder ser vendida como obra juvenil (ou, como está agora na moda por todo o lado, “young adult”) ou ser demasiado explícita ou elaborada para isso (e, num aparte, ainda estou para perceber quando foi que os jovens se tornaram, para as mentes marqueteiras, gente incapaz de compreender coisas com um mínimo de profundidade). Depende de ser vácua ou substantiva. Depende do seu conteúdo político ser claro ou encapotado, depende de ser politicamente correta ou não e para quem é politicamente correta (a malta tende a esquecer que o que é politicamente correto para um fascista não o é para um democrata e vice-versa). Enfim, depende.
Se vieram aqui ter em busca de conselhos quanto ao que fazer com o que vocês escrevem, o único que vão levar é: tentem evitar colaborar em fraudes. Fingir que publicam por “editoras” a quem pagaram a edição até pode enganar os mais desatentos, mas não engana mais ninguém. O prestígio que podem julgar assim ganhar só vos trará desprestígio. É melhor fazerem as coisas sozinhos, se puderem e souberem. Muitos de nós damos muito mais valor a alguém que apresenta as coisas como o que são, do que a quem procura enganar o próximo com aldrabices, mesmo que estas sejam razoavelmente benévolas.
Mas mesmo assim, há situações em que a opção certa é uma epse. Porque — lá está — depende. Não serão muitas, mas consigo imaginar algumas. Um autor que não saiba fazer nada além de escrever, nem paginar, nem encapar, nem tratar de ISBNs e outras coisas, talvez tenha alguma vantagem em meter-se numa epse. Por outro lado, mesmo assim, talvez não: há empresas de print on demand, basicamente um tipo específico de gráfica, que fornecem auxiliares para esse tipo de preparação. Exigem alguma aprendizagem, é certo, mas não muita. Mas enfim: se um autor não quer ou não consegue fazer essa aprendizagem a sua melhor opção talvez seja mesmo uma vanity, ainda que isso só aconteça devido à inexistência — que eu saiba — de empresas que prestem serviços editoriais sem se tentarem fazer passar por editoras. De resto…
De resto, o que resulta com fulano pode não resultar com beltrano, e o que resulta com este provavelmente não resultará com sicrano.
Mais: o que resulta com um romance escrito por fulano pode não resultar com uma coletânea de contos ou um livro de poemas também escritos por fulano. Porque os interessados num romance não são necessariamente os mesmos que estarão interessados num livro de contos, e estes também não coincidem por inteiro com os interessados num livro de poesia. Se as pessoas a que se vai chegar variam, é natural que a forma de chegar até elas varie também.
O que vos posso dizer é a abordagem que eu, sabendo o que sei hoje (que, é bom sublinhar, é diferente do que sabia ontem e do que saberei amanhã) não só sobre o modo de funcionamento de tudo isto mas também sobre coisas mais técnicas como como paginar um livro ou como conceber uma capa, decidi seguir.
Para começar, para mim, epses nunca. Pedir-me dinheiro para publicar é a maneira mais rápida de me porem bem longe, seja o livro qual for. Nunca verão o meu nome associado a edições dessas empresas, com a possível exceção de antologias pagas pelos organizadores, uma vez que quem submete contos a certas publicações geralmente não tem voz na forma como elas acabam por ver a luz do dia. Tirando essa eventualidade particular, nada de editoras com aspas por aqui.
Em segundo lugar, as experiências que tive com pequenas editoras ensinaram-me que não vale a pena perder tempo com a maioria. Duvido que alguma vez volte a propor um livro a alguma pequena editora, a menos que a veja a trabalhar consistentemente bem durante algum tempo. E mesmo assim é duvidoso, porque tenho plena consciência de que se o fizer o mais certo será não ganhar um tostão furado com o livro e, se é para não ganhar nada, se calhar mais vale disponibilizar tudo gratuitamente na Internet ou nalguma das várias plataformas de ebooks que vão surgindo por aí.
Restam as médias e grandes editoras ou a autoedição. Ou por outra: tirando algumas opções mais exóticas (como a edição cooperativa ou o crowdfunding, que no entanto não me parecem adequadas para o que eu faço), as que restam são essas duas.
Conhecendo a atitude dos meus caros concidadãos para com a leitura de contos, provavelmente também não perderei tempo a tentar propor a nenhuma editora a edição de coletâneas, a menos que se trate de contos suficientemente interligados para poderem ser vistos como uma espécie de romance. Tenho um projeto em andamento que cai nessa categoria, com duas histórias já escritas e publicadas, outra parcialmente escrita e uma mancheia de outras planeadas, tudo no mesmo universo e na mesma sequência temporal. Se e quando estiver tudo escrito, é possível que proponha esse livro a alguma editora (e tenho uma ideia bastante concreta de qual será a primeira), mas só decidirei na altura. Tirando isso, para editoras a sério reservo romances.
Romances que não sejam demasiado bizarros, entenda-se.
O resto? O resto sairá em autoedições. Sei paginar livros, consigo fechar textos já razoavelmente limpos de gralhas, e sei que é necessário revê-los várias vezes para limpar ao máximo as que ficarem no manuscrito definitivo. É trabalho chato, mas que eu sei fazer, até porque já o fiz profissionalmente. O meu ponto fraco são as capas, mas a verdade é que até eu consigo fazer capas melhores do que algumas das aberrações que aparecem publicadas por algumas vanities, e sem usar imagens obtidas por meios menos que lícitos na internet, como algumas empresas fazem. O mais certo será nunca conseguir criar uma capa realmente boa, mas não é menos certo que não serão minhas as piores capas do ano. É quanto baste para me contentar, até porque sempre fui de opinião de que num livro de ficção o que é realmente importante é… a ficção que ele contém.
Dito isto, devo acrescentar que estou aberto a ouvir quem me quiser tentar convencer a seguir outras vias. Como disse, o que sei hoje não é o que saberei amanhã. E também nada impede que se faça uma edição por uma via e uma segunda por outra. Mas para já as minhas opções são estas, pelos motivos expressos acima e por mais um par de outros que, como se prendem com o que vejo ser o futuro da edição, ficarão para o artigo em que falar dele.
Isto, contudo, e volto a sublinhar, sou eu. Outros autores terão necessariamente outros caminhos a seguir. É este o ponto que quero deixar claro: os caminhos de publicação são múltiplos, variados, e dependem fundamentalmente das obras e dos autores, sem que haja necessariamente relações de superioridade ou inferioridade entre eles. Tendo em conta todo o lixo que se tem publicado por editoras convencionais, é no mínimo ridículo achar-se que uma edição convencional é, por princípio, melhor que uma não convencional. No máximo terá uma maior probabilidade de possuir qualidade do que uma edição de autor, mas probabilidade é uma coisa, certeza outra bem diferente.
E porque é que eu acho importante sublinhar este ponto? Por um motivo simples: porque no afã de conseguirem editar de forma “prestigiosa” são demasiados os autores que se sujeitam a condições degradantes, nos quais toda a gente envolvida no processo editorial consegue ganhar algum dinheiro menos eles, precisamente os produtores dos conteúdos sem os quais todo o processo descarrilaria. E porque assim não são só eles que perdem, mas todos nós, todos os autores. Não cedam tão facilmente a chantagens. Lembrem-se de que os autores são o combustível da edição. Não devem nunca ser os mais prejudicados com ela.
Voltarei provavelmente a falar disto quando falar do futuro. Não será o próximo artigo, mas o outro a seguir.
O próximo será sobre o digital.
Amanhã. Talvez.
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