A Despedideira é mais um pequeno conto de mulheres de Mia Couto, ou talvez seja mais adequado dizer que é um longo poema em prosa de Mia Couto. Sim, que embora seja habitual encontrar poesia nos textos do autor moçambicano — a poesia é, mesmo, a par com os neologismos evocativos, uma das suas mais características imagens de marca —, raramente ela é tão dominadora, sobrepujante, como aqui. Para perceberem o que quero dizer, deixem-me citar o seu início, não em prosa, como o escritor o escreveu, mas em verso:
"Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol.
O meu quero-o nuvem.
Há mulheres que falam na voz do seu homem.
O meu que seja calado
e eu, nele, guarde meus silêncios.
Para que ele seja a minha voz
quando Deus me pedir contas."
Estão a ver? O ritmo, as imagens, as repetições? O conto é todo assim, escrito na primeira pessoa por uma mulher poeta que se sabe que o é não se interessa e que se conta desta forma, a si e aos seus afetos. E não foi dos contos que mais me agradaram, precisamente por isso. Apesar da magnífica linguagem, gosto das coisas mais comedidas, de maior equilíbrio entre forma e conteúdo. Aqui, parece-me, a forma está demasiado presente, a ponto de sufocar o conteúdo. Quem aprecie principalmente a forma, e em especial quando esta é prosa poética, provavelmente adorará. Não foi o meu caso.
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