Mistério (bibliografia) é mais um conto fantástico de Mário de Sá-Carneiro que não me agradou muito porque, embora atenuados, tem muitos dos defeitos que encontrei em A Grande Sombra. É certo que não há neste conto tanto exagero de literatura como na novela que o antecede, mas também aqui existe um burilamento excessivo, demasiado preocupado com o efeito das frases e imagens e ignorando em grande medida o todo. A melhor forma que encontro para descrever a sensação que me causam estas histórias demasiado cheias de texto é sentir-me perante um bosque que o escritor promete construir mas, em vez de o povoar de árvores, detém-se a esculpir e a pintar detalhadamente um ramo de flores aqui, outro ali, deixando no final as flores com o máximo detalhe e as árvores apenas esboçadas.
E não há também nele uma tão longa e tão arrastada descrição dos estados de alma do protagonista como em A Grande Sombra, mas essa forma de umbiguismo descritivo também aqui se faz sentir. Tal como também existem outras características comuns à história anterior e a outras, características essas que já não encaro como defeitos: o protagonista é um artista ocioso e solitário, a loucura e as ideias suicidas nunca andam muito distantes, há sugestões razoavelmente sólidas de atração homossexual, ainda que ilibada pela descoberta de uma rapariga ideal, e a história desenrola-se em registo realista quase até ao fim, só assumindo contornos fantásticos no desfecho ou perto dele. É aqui que aparece o mistério a que o título faz referência, claramente inspirado pelo conceito romântico do amor perfeito enquanto fusão de duas almas gémeas, que Sá-Carneiro leva às últimas consequências. Sem grande surpresa, foi o desfecho a parte que mais me agradou no conto que, globalmente, achei apenas razoável.
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