segunda-feira, 21 de março de 2016

Lido: Relatório Sobre a Probabilidade A

Relatório Sobre a Probabilidade A (bibliografia) é um bizarríssimo romance de ficção científica de Brian Aldiss. Ou algo de parecido.

Porque chamar-lhe romance pode ser esticar o termo um pouco além do seu alcance. Este Relatório é, de facto, um relatório. Relata com minúcia obsessiva e bastante repetitiva o que vai fazendo um tal G, cuja vida é observar discretamente o que se vai passando numa banalíssima e mui britânica casa e suas redondezas. Tudo, cada objeto, cada personagem, cada movimento, é descrito com todos os detalhes. Só G. não. G. é uma inicial e um par de olhos e uma vida absurda, pouco mais.

Esta descrição obsessiva, que viola sistematicamente todas as regras que os miúdos aprendem nas oficinas de escrita criativa, depressa ganha novos níveis, quando nos apercebemos de que G., o observador, está por sua vez a ser observado o que, de resto, explica a existência do relatório. É o relatório da observação de G. e do universo em que ele se insere, ou pelo menos da parte deste que está visível para quem produz o relatório, através de alguma espécie de janela interdimensional mal compreendida.

E novas camadas surgem quando se sabe que por sua vez essas pessoas, se é que de pessoas se trata verdadeiramente, estão a ser observadas por outras pessoas (?) em outro universo, subtilmente diferente dos anteriores, e estas por outras, e por aí fora sugerindo-se, mas sem o afirmar taxativamente, uma infinidade de universos contidos uns nos outros, uma espécie de interminável cebola de universos, e interligados por janelas de observação.

Porém, esta sucessão de observadores, sendo embora o tema principal deste livro (o que está adequadamente espelhado na capa), ocupa relativamente poucas páginas. Talvez pudesse ocupar mais, deixando um pouco mais de lado o bendito relatório, que consegue ser muitíssimo maçudo. Embora inteligente, não é leitura fácil e leve, esta. Exige paciência, e a verdade é que ao chegar o fim do livro não me senti lá muito recompensado pela paciência. Fiquei mesmo com a sensação de ter sido alvo de uma elaborada partida, de que Aldiss se estaria a rir baixinho, trocista, atrás de uma cortina. De que este Relatório Sobre a Probabilidade A, no fundo, terá sido um grande gozo, apesar de ter subjacente uma ideia bastante válida, filosófica, psicológica e até politicamente. De que Aldiss se terá sentado um belo dia à frente da máquina de escrever ou do papel e pensado, entre gargalhadinhas de gozo antecipado: "Ora bem, vamos lá agora a ver qual é o livro mais chato que consigo escrever e ainda ser lido."

Sim, acho que Aldiss enquanto troll explica muito deste livro. Não é preciso ter grande imaginação para arranjar outras formas bem mais interessantes de vincar as mesmas ideias que este livro vinca. E eu só posso tirar-lhe o chapéu. Sim senhor, caro Brian, conseguiste. Escreveste mesmo um livro chatíssimo e conseguiste mesmo arrastá-lo durante cerca de 150 páginas na maior parte das edições (esta, de letras miudinhas e páginas largas, tem menos umas 30). E eu li-o de fio a pavio. Eu e mais uma porção de gente. E queres saber? Até gostei dele, mais ou menos. Não muito, mas, eh pá, um bocado.

Muito bem. Recebe os meus parabéns.

Mas acho que é preciso ter-se um sentido de humor retorcido para se ler este livro e realmente gostar dele. Não é, de forma alguma, livro adequado a toda a gente. É livro para uma minoria de leitores razoavelmente desaparafusados da cabeça. No mínimo tanto quanto eu, mas desejavelmente mais. Portanto, em termos de recomendações, só posso dizer: "Não bates bem? Então é possível que gostes. Mas estás por tua conta; eu não assumo quaisquer responsabilidades."

Terão de se contentar com isso.

Este livro foi comprado.

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