O Homem dos Sonhos (bibliografia) é mais um conto fantástico de Mário de Sá-Carneiro que, dominando nele o autor a tendência para florear em demasia a prosa que mostrou em contos anteriores, volta a ser francamente bom. De novo escrito em primeira pessoa por um narrador que depara com personagens curiosas no decorrer da vida, um narrador intelectual da alta burguesia ociosa que vagueia pelos ambientes cosmopolitas das capitais europeias e sempre seguido de perto pela depressão, desta feita o protagonista é um homem que o narrador conhece em Paris, de que nunca chega a saber o nome mas que julga ser russo, e que o assombra pela extravagância de se mostrar genuinamente feliz. A explicação para tal felicidade, depressa acabamos por saber, é não ser deste mundo. Não o ser propriamente, pelo menos.
O exercício que Sá-Carneiro aqui faz é bastante interessante, ponto em contraponto o mundo real e o mundo onírico e imaginando que alguém tem a capacidade de os fundir, de viver num e sonhar o outro ou vice-versa, independentemente de qual seja qual. Ou quase. E fá-lo muito bem, com ritmo, com as frases de efeito poético que tão abundantemente usa em outros textos (a ponto de os dominar; a ponto de os quase destruir) dominadas, usadas a preceito e nos lugares certos, sem nunca lhe fugirem do controlo. Assim, sim. Esta é uma história bem contada, bem escrita, com uma boa ideia (uma ideia de escritor, se me entendem a entrelinha) bem desenvolvida. Como não gostar?
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