segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Lido: A Viagem do Elefante

No contexto da obra de José Saramago, A Viagem do Elefante é uma raridade: um romance histórico, como alguns dos outros, mas que, ao contrário destes, não contém nenhum elemento fantástico se descontarmos algumas passagens em que o narrador especula sobre que pensamentos passarão pela cabeça do elefante que o protagoniza. E podemos fazê-lo sem dificuldade, pois o elemento fantástico que em tais passagens se contém é no máximo tenuíssimo.

Relata, como se sabe, a viagem do elefante Solimão, originário da ilha de Ceilão e dado de presente pelo rei português ao arquiduque da Áustria, no já distante século XVI, época em que Portugal era superpotência global e a Áustria lhe ficava bem abaixo na hierarquia dos poderes. Ora, oferecer como presente um elefante implica que este viaje de casa de quem oferece até à casa de quem recebe a oferta, e um elefante, mesmo sendo asiático e por isso mais pequeno que os primos africanos, não é propriamente coisa que se enfie num bolso ou numa mala.

Daí que Solimão tivesse sido obrigado a atravessar meia Europa, quase sempre a pé, causando grande comoção e sensação em todos os locais que atravessa, pois a Europa do século XVI já havia há muito esquecido as legiões cartaginesas de Aníbal e não se lembrava da existência de tão assombrosos animais. Uma viagem fantasticamente épica, em sentido próprio. E tudo isto é história histórica, realmente acontecida na realidade factual das coisas, não só na realidade da ficção.

Saramago pega nessa história e conta-a à sua maneira, dividindo o protagonismo entre Solimão, o elefante, e o seu cornaca, pois para que tão grande animal viaje para onde se deseja é sempre preciso que haja quem saiba conduzi-lo para lá. Subhro, assim se chama o cornaca, é a voz do povo, e portanto a voz da razão, é aquela pessoa que sabe o que há que fazer e porquê, o homem que é capaz de conciliar as necessidades diplomáticas da viagem com as necessidades e capacidades mais imediatas da oferta, ajustando umas às outras conforme seja necessário.

E é esse o facto que mais é usado como motor deste romance. E é isso, mais do que a sucessão de peripécias e paisagens que inevitavelmente se sucedem numa viagem de Lisboa a Viena, mais a mais há quinhentos anos, que lhe confere interesse. São as reflexões do povo e do estrangeiro, corporizados em Subhro, em confronto com os vários poderes por cujas mãos vai passando, são as formas como se lhes vai adaptando umas vezes e impondo-lhes, de outras, a sua vontade ou necessidades, que realmente sustentam a história.

No fim, fica a ideia de que, no fundo, o que o povo quer é que o deixem em paz, que lhe permitam viver a vida sem o chatearem demasiado, e também uma ideia internacionalista, quiçá fruto parcial ou total da emigração, também sentimental, do próprio Saramago: a pátria fica onde ficam as coisas de que gostamos ou necessitamos. No caso de Subhro, a sua pátria foi o elefante Solimão; morto este, o que resta?

O que resta, aqui, é responder à pergunta: é bom, este romance? Claro que é.

Este livro veio da biblioteca dos meus pais.

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