sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Lido: O Génio que Vive Entre a Noite e o Dia

O Génio que Vive Entre a Noite e o Dia (bib.) é um conto curto de fantasia, de Bruce Holland Rogers, que se debruça sobre Al Faq, um génio que vive entre a noite e o dia e que ninguém sabe se é de confiança ou não. Nem ele, provavelmente. Escrito com a habitual mestria narrativa de Rogers, o conto conta a história de uma história, contada por outro génio a Al Faq: Tayab, um seu primo, génio das cinzas, que muito decididamente não é de confiança.

E é precisamente sobre isso que a história versa; sobre a confiança e o peculiar fenómeno de ser muito mais fácil inspirar em muita gente confiança em mentiras do que na verdade, porque as mentiras são com frequência reconfortantes enquanto a verdade raramente o é, e ainda sobre as consequências devastadoras que isso pode ter nas vidas das pessoas. Não há moral clara para esta história, ela não é assim tão linear, mas para a interpretação que dela faço há: cuidado com aquilo em que acreditas, e cuidado com as ideias que dás aos outros.

Gostei bastante.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Lido: Contos Lendários

Contos Lendários é uma pequena antologia que reúne duas histórias de dois grandes escritores que têm em comum tratar-se de novas narrações de antigas lendas. Este recuperar do material legendário como matéria-prima literária foi algo que esteve muito em voga no século XIX e que, embora com menos frequência — até porque já é difícil encontrar material razoavelmente "virgem" para tratar, em particular no legendário de origem europeia —, continua a fazer-se até hoje.

As duas histórias aqui incluídas têm também em comum o fundo cristão... muito embora seja provável que a mais remota origem de ambas seja anterior ao cristianismo. Quem estuda estas coisas diz que era muito comum o povo continuar a contar as velhas histórias, alterando-as por forma a não colidirem com o ambiente religioso dominante. O mesmo que acontecia, aliás, com muitos outros costumes. Não é por acaso que são várias as religiões que têm celebrações por volta dos solstícios e dos equinócios, datas de celebração antiquíssima por estarem diretamente relacionadas com os ciclos anuais do planeta.

Isto quer dizer que esta antologiazinha tem bastante interesse antropológico, digamos, precisamente devido à proximidade que existe em ambas as histórias entre o tratamento literário e as lendas que ele tem por base. Mas para além disso, no que toca concretamente às histórias, são dois bons contos, escritos por dois bons escritores. Pessoalmente, gostei bastante mais do de Lagerlöf do que do de Flaubert, mas isso é questão de gosto e também reconheço qualidade a este último.

Eis o que achei dos dois:
Este livro foi comprado.

Lido: Telefonema

Telefonema (bib.) é mais um dos belos e irónicos mini-contos de Mário-Henrique Leiria. Sobre um telefonema, obviamente, que vai levar o recetor do dito a fazer uma descoberta de premente importância. E depois Leiria remata, comentando. Este é dos tais que é impossível ler sem sorrir. Muito bom.

Ah, sim. E é um conto fantástico. Podia ser de horror se não fosse tão divertido.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Lenda de S. Julião Hospitaleiro

Lenda de S. Julião Hospitaleiro é uma noveleta de Gustave Flaubert, na qual este escritor francês conta a sua versão da vida desse santo católico, de origem algo misteriosa, criada sob inspiração dos vitrais da Catedral de Rouen. É uma história longa e repleta de prodígios, que acompanha a vida de Julião desde a infância privilegiada de filho de pequenos fidalgos, na qual descobre a cruel volúpia que matar criaturas vivas lhe causa, até ao momento em que transcende os pecados e é acolhido no céu, transformado em santo, supõe-se.

É obviamente uma história cristã, sobre o pecado e a expiação, também sobre o destino, e com algo de edipiano a apimentar a receita, visto que uma das constantes em todas as versões da lenda de São Julião é ele matar os pais, ainda que por engano. Não sendo eu cristão, aquilo que mais me interessa neste tipo de história é, além, claro, da literatura propriamente dita, as mentalidades que revela, os valores que promove ou desvenda. Neste caso, achei assombroso que uma vida que deixa atrás de si um longo rasto de cadáveres, que não só estão muito longe de ser apenas de animais como também não foram propriamente todos mortos por engano, possa ser resgatada por um simples ato de altruísmo (que ainda por cima pode ser visto como suicídio) para com um leproso, seja este prodigioso ou não. Como tantas vezes acontece, a mentalidade católica aqui revelada chocou-me, mesmo dando-se-lhe o desconto de se referir a tempos mais bárbaros do que aqueles em que vivemos. Enfim...

Quanto à literatura, não posso dizer que me tenha agradado por completo, mas também não desagradou. O conto é bom, apesar de não ser dos que melhor se adaptam ao meu gosto pessoal.

Conto anterior deste livro:

Lido: Rifão Quotidiano

Rifão Quotidiano é um famosíssimo poema de Mário-Henrique Leiria que devia ser de leitura obrigatória no ensino básico. Fala de uma nêspera que nada faz a não ser ficar sossegadinha a ver o que acontece. E do que por isso mesmo lhe acontece.

Portugal faria bem em ser muito menos nêspera do que é.

E quanto ao poema, é brilhante.

Textos anteriores deste livro:

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Lido: The Waste Land

The Waste Land é a última história de Charles Sheffield, publicada cinco meses após a sua morte. Trata-se de uma noveleta de ficção científica policial, ambientada numa instalação nuclear americana, na qual se procede a investigação e também à descontaminação de material radioativo lá deixado ao longo das décadas anteriores. O protagonista, um antigo polícia de Washington que depois de ser aconselhado pelos médicos a procurar uma vida menos stressante arranjara emprego nessas instalações, é chamado para investigar a estranha morte de um dos cientistas que lá trabalhavam, cujo cadáver parecia ser o resultado de envenenamento agudo por radiação mas não mostrava qualquer sinal da radiação residual que seria de esperar.

É uma história bastante boa. Está bem escrita e bem estruturada, e toma um significado mais profundo quando se relaciona o seu tema de base com a vida e carreira de Sheffield — foi um físico proeminente e começou a escrever após a morte da primeira mulher, de cancro — e sobretudo da sua morte, uma vez que também ele acabou por morrer de cancro: foi morto por um tumor no cérebro. Na verdade, tomando isto em conta o seu impacto multiplica-se várias vezes. Mas mesmo sem se saber nada sobre o autor a história é interessante. Sob o enredo policial pode encontrar-se uma reflexão sobre a indústria nuclear e um retrato fiel — afinal, Sheffield tinha bastante conhecimento de causa — sobre a atividade científica. Gostei bastante.

Textos anteriores desta publicação:

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Lido: Os Jogos do Capricórnio

Os Jogos do Capricórnio (bib.) é uma coletânea de contos de Robert Silverberg  que representa quase na perfeição o que o movimento New Wave da ficção científica teve de bom e de mau. Ou por vezes de bom e de mau ao mesmo tempo. São contos em que o estilo é importante e com frequência experimentalista, nos quais o fluxo da narrativa só raramente é linear. Contos mais preocupados com aspetos filosóficos, sociológicos e psicológicos do que propriamente com as façanhas tecnológicas que estão no cerne de tanta da FC clássica ou que nela se inspira. Contos que só de vez em quando enveredam pela aventura, antes se dedicam a histórias introspetivas e que tendem mais a ser inquietantes do que eletrizantes, embora também possam mostrar-se irónicas.

Há quem deteste o estilo; eu gosto bastante, desde que não seja levado ao excesso. Quando o é, aproxima-se de uma certa caricatura da ficção científica que me parece já pouco ou nada tem a ver com FC, e que tende a resultar em pequenos e grandes desastres literários. Mas não é frequente que escritores formados na escola da ficção científica, ainda que, como Silverberg, dela sejam críticos, caiam nessa armadilha. Os que o fazem são quase sempre escritores pouco ou nada familiarizados com o género, que portanto o tratam sem a necessária sensibilidade.

Silverberg não. Embora se aproxime aqui e ali desse excesso, nunca chega a atingi-lo nestes contos, tem sempre a capacidade de parar a tempo, de só ir tão longe quanto o género permite. E isso é parte do motivo por que estes contos são realmente bons. Estão datados? Sim, alguns estão. Em parte porque Silverberg neles fala sobre o seu presente, que já está algumas décadas desfasado do nosso, em parte porque a FC continuou a evoluir, tornando alguns tiques da New Wave tão característicos de uma certa época como as calças à boca-de-sino. Mas a literatura que neles incutiu não se gasta tão depressa como as ideias e vários destes contos, mesmo quando deixarem de ser boas histórias de FC, continuarão a ser boa literatura.

Eis o que achei deles, um a um:
Este livro foi comprado. Há bastante tempo.

Lido: Um Conto Para Discussão

Um Conto Para Discussão (bib.) é um conto curto de Bruce Holland Rogers sobre... bem, sobre literatura. Sobre a natureza do ato literário, seja ele escrita ou leitura. Trata-se de um exercício metaliterário brilhantemente executado que começa como um conto fantástico em que o autor se descobre sem corpo e acaba numa mistura completa entre realidade ficcional e ficção ficcional, se é que isto faz algum sentido, na qual um grupo de estudantes debate o conto do qual eles próprios são personagens. Algo assim, nas mãos de um autor inábil, podia resultar num desastre confuso. Mas Rogers está longe de ser inábil. Um continho magnífico.

domingo, 21 de outubro de 2012

Lido: A Lenda da Rosa

A Lenda da Rosa é um conto de Selma Lagerlöf, adaptação de um conto popular sueco. Como é costume acontecer nos contos populares europeus, trata-se de uma história com moral, de fundo cristão, cujos protagonistas são dois frades, um bondoso, pronto a perdoar pecados passados, outro temeroso e inflexível, e a família de um antigo ladrão que vivia escondida na floresta visto que o ladrão era procurado pela justiça. No centro do enredo estão jardins. Um jardim banal, o do convento, que não obstante era motivo de orgulho e prazer para o frade bondoso, e um jardim milagroso e lendário, o da floresta que, segundo afirmava a família dos bandidos, era muito incomparavelmente mais belo que o do convento mas só floria um dia por ano.

Sem fugir de uma certa previsibilidade inerente à sua origem lendária, o conto é tão interessante e está tão bem escrito como seria de esperar de algo saído da pena de um prémio Nobel da literatura. E para mim teve ainda o interesse acrescido de me fazer lembrar um conto de ficção científica de João Barreiros: Noite de Paz. Por estranho que isso possa parecer. Gostei bastante.

sábado, 20 de outubro de 2012

Lido: Noivado

Noivado é um divertidíssimo mini-conto de Mário-Henrique Leiria que descreve em cinco linhas carregadinhas de ironia a vida de um casal desde o momento em os noivos nisso se transformam até, presume-se, a morte que os separa. Este merece o qualificativo de brilhante.

Textos anteriores deste livro:

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Lido: De Um Lado Para o Outro

De Um Lado Para o Outro (bib.) é uma noveleta de ficção científica de Robert Silverberg que, apesar de um certo anacronismo na premissa básica, ainda se mantém muito bem de pé. Aliás, provavelmente seria aquele conto do livro de que faz parte a granjear mais apreço dos leitores contemporâneos. Porque o cenário que Silverberg nele cria é profundamente distópico e, como se sabe, as distopias estão na moda. Um cenário futuro, localizado no território dos atuais Estados Unidos, mas uns Estados Unidos que fazem parte de um mundo completamente urbanizado e pulverizados numa miríade de cidades-estados praticamente independentes, os distritos. O protagonista é um homem cuja mulher desaparece depois de roubar o programa informático que gere o seu distrito, e que vai ser encarregado de a procurar e recuperar o programa, o mais depressa possível, a fim de evitar a completa desagregação social e económica da cidade.

Trata-se de uma história caucionária sobre a dependência das máquinas de uma sociedade demasiado avançada e complexa para ser gerida por seres humanos, bem como sobre os perigos da sobrepovoação. Não é muito realista — a cidade global, que tem surgido com alguma frequência na FC, sobrestima sistematicamente a proporção de planeta que os seis milhares de milhões que nós somos chegámos realmente a urbanizar, subestima quantos teríamos ser para ocuparmos o planeta inteiro com uma única cidade e também subestima o espaço necessário para a produção de alimentos para toda essa gente. Por outras palavras, o planeta entraria em colapso muito antes de ficar completamente urbanizado. Mas apesar disso, Silverberg consegue tornar a noveleta interessante através de um enredo simples mas chamativo: as peripécias por que o protagonista passa enquanto procura a mulher, movidas a curiosidade pelo que lhe vai acontecer a seguir e pelo motivo que teria levado a mulher a fazer o que fez.

Hoje, o mercado teria obrigado esta história a transformar-se em romance. E provavelmente seria um sucesso. Mas mesmo como noveleta, e pese embora algum anacronismo tecnológico — que é quase inevitável numa história com cerca de quarenta anos — funciona bem.

Contos anteriores deste livro:

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Lido: Intervalo

Intervalo (bib.) é outro mini-conto de Mário-Henrique Leiria sobre um ato subversivo em plena Guerra Fria. Surrealista e divertido, mete uma viagem de helicóptero um senador, um espião moscovita e uma garrafa de gin. E mais umas coisas. Há sempre mais umas coisas.

Textos anteriores deste livro:

Lido: Antologia do Conto Fantástico Português

A Antologia do Conto Fantástico Português (bib.) é um maciço volume de 670 páginas que nesta segunda edição foi organizado por E. M. de Melo e Castro, com base na primeira edição de Fernando Ribeiro de Mello, de 1967. Contém 35 histórias de outros tantos autores, alguns dos quais nomes cimeiros da literatura portuguesa do século XIX e dos primeiros dois terços do século XX. A maior parte dos contos obedece à definição de fantástico conforme proposta por Todorov, ainda que haja alguns que se aproximam mais de outras correntes da literatura fantástica em sentido lato: a fantasia, o surrealismo, o horror, até mesmo a ficção científica.

A antologia é em geral muito boa. Inclui várias daquelas obras a que se costuma conceder o epíteto de incontornáveis; obras cujo desconhecimento implica a impossibilidade de se dizer com propriedade que se conhece fantástico português. Também inclui, é certo, obras que me pareceram menos bem conseguidas, e nem sempre se trata apenas de gosto pessoal, ainda que na maior parte dos casos o seja. Mas isso é inerente às antologias, ou na verdade a qualquer compilação de textos díspares: há sempre uns melhores e outros piores. Mas não só os melhores, pela sua qualidade e proporção, fazem com que a antologia seja muito boa, como a o todo é superior à soma das partes porque mesmo os piores contos ensinam alguma coisa sobre o que foi a produção fantástica portuguesa no período abrangido pela antologia. Este parece-me ser, realmente, um retrato fiel do fantástico português tal como era até ao início da década de 1970. Por outras palavras: até ao fim da ditadura. Mas não do fantástico português, ponto. Não do fantástico português que incluísse obras mais recentes.

E isso foi algo em que não consegui deixar de pensar ao ler as muitas páginas deste livro. Nas diferenças entre o antes e o agora, nos caminhos divergentes que a nossa tradição fantástica foi seguindo nas últimas décadas (tantas vezes através da pura e simples ignorância dessa tradição), tanto através de uma tradição de ficção científica que, ainda que frágil, tem mesmo assim alguma solidez e continuidade desde os anos 80, como através da recente enxurrada de fantasia que segue modelos importados da tradição anglo-saxónica (da qual existem, todavia, antecedentes na literatura portuguesa novecentista, o que é em si mesmo muito interessante), como através de outras formas mais próximas do espírito da maior parte dos textos presentes neste livro, mas incorporando novas abordagens e novos temas. E novos estilos também. E também algo que quase não existia antes: autores especializados em fantástico.

Talvez me engane, mas parece-me que o conto fantástico português, ou o fantástico português em geral, seja em conto ou em romance, mudou mais nos últimos trinta anos do que ao longo do período abrangido por esta antologia. E mudou de formas contraditórias. Se por um lado a sua literariedade tem sofrido, e a maior parte da produção é hoje bastante pior trabalhada, no que diz respeito aos aspetos puramente textuais da criação literária — e isto apesar de Saramago — por outro a qualidade conceptual e a sofisticação das ideias e dos enredos parece-me ser hoje superior ao que historicamente tem sido. Isto, claro, partindo do princípio de que o que se lê nestas páginas é representativo do que de melhor foi produzido durante os cento e tal anos que estas obras englobam. Não posso afirmar que seja; vários dos autores aqui presentes li aqui pela primeira vez, e de outros tinha lido apenas literatura realista, tendo-me passado ao lado a sua produção fantástica (até porque esta é geralmente vista como menor, especialmente no que toca aos contos). E houve vários que me despertaram curiosidade pelo resto da sua obra, o que é uma das grandes vantagens que têm as antologias sobre outros tipos de publicação. Especialmente quando são boas antologias, como é o caso.

Querem saber quais? Ficam com uma ideia lendo o que achei de cada um dos contos:
Este livro tem uma história de aquisição curiosa. Foi comprado... por telefone. Depois de um comentário num blogue. Engraçado, não?

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Lido: Carreirismo

Carreirismo é um mini-conto de Mário-Henrique Leiria que, nas suas seis linhas, explica o funcionamento das elites portuguesas. Sim, foi escrito em tempos de fascismo. Mas podia ter sido escrito ontem. Ou hoje. Ou, que o Monstro do Esparguete Voador nos salve, amanhã. Minúsculo, mas magnífico.

Textos anteriores deste livro:

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Lido: Giza

Giza é um conto curto de ficção científica apocalíptica, de Joe Haldeman. O conto tem o seu interesse, mas tem também o grande contra de mais parecer o delinear de um romance. É um relato histórico, contado por uma personagem que o encerra numa espécie de cápsula do tempo em vésperas de um acontecimento potencialmente cataclísmico, e é o modo como se chegou ao ponto de ser provável o desaparecimento da civilização humana na Terra que o protagonista relata. Trata-se, de facto, de uma história que poderia perfeitamente ser desenvolvida até se transformar num romance, ou no mínimo numa novela. Uma história sobre bioengenharia e as aspirações de um povo antigo — os bascos — à independência e à grandeza, e depois sobre o que acontece quando essas aspirações se veem uma vez mais defraudadas. A construção do mundo é muito interessante, e o esboço do enredo também, mas Haldeman fica-se por aí. E é pena. Talvez tivesse sido melhor escrever mesmo o bom romance que está sugerido por esta história em vez de se ficar por um continho que, tudo somado, pouco passa o razoável.

Textos anteriores desta publicação:

Porque sem informação a conversa é oca

Nas próximas eleições, que espero que cheguem muito depressa, eu nunca votarei em nenhum partido ou coligação que não tenha muito claramente inscrita nas propostas prioritárias que fizer ao eleitorado a ideia de tornar completamente transparente e obrigatória a divulgação da despesa pública. Tintim por tintim, na internet. Consultável por qualquer cidadão e, talvez mais importante do que isso, de forma a ser compreensível por qualquer cidadão. Isto, mas oficial, mais amplo e obrigatório para todos os organismos públicos deste país (sem esquecer as empresas de capital 100% público, e provavelmente as que têm maioria de capital público também), seja a nível central, seja a nível regional e autárquico, e melhor organizado, e com dados agregados para informação de quem não tiver tempo para mergulhar nos detalhes.

Portanto já sabem. Se isto não constar das vossas prioridades, perderam pelo menos um voto. E isto também vale para ti, BE.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Lido: Os Minino da Noite

Os Minino da Noite (bib.) é mais um dos bons contos de ficção científica de João Barreiros, nos quais o seu estilo literário se conjuga perfeitamente com a história de violência e desagregação social que conta. O cenário é uma Europa-Fortaleza do futuro, da qual os imigrantes são escorraçados, expulsos de regresso aos países de origem, o que não impede nem o alastrar de uma espécie hipervirulenta de sida, nem a decadência das infrastruturas, até as mais básicas, em bairros abandonados a si próprios. O protagonista é um extreminador ideológico, membro de um partido de extrema-direita com os habituais chavões sobre a pureza da raça lusitana. E o inimigo que combate são... os filhos que os imigrantes abandonam em Portugal antes de serem deportados e que, entregues a si próprios, revertem a uma espécie de estado selvagem cooperativo... o que o protagonista vai descobrir tarde demais. Bastante bom.

Contos anteriores desta publicação:

Lido: Peregrinação

Peregrinação (bib.) é um conto de Almeida Faria que descreve, assumidamente, um sonho. Conta uma história de amor que, nas palavras do autor, não é nem verdadeira nem verosímil mas é bem real. E conta-a, como bom sonho que é, de uma forma onírica, algo incoerente, repleta de saltos temporais e narrativos, cheia de cenas surreais que só com uma valente dose de interpretação simbólica se conseguem encaixar na história principal. É um bom retrato do caráter caótico dos sonhos, mas já tenho menos certezas sobre se será um bom conto. Como já disse várias vezes, gosto do meu surrealismo controlado, com um fio condutor percetível, e o que aqui existe — que existe um — é com frequência ténue, julgo que em demasia. De vez em quando deixa de se ver para reaparecer mais adiante. Por outro lado, está bem escrito. Por outro lado ainda, é daqueles contos que se leem e começam imediatamente a desaparecer da memória até só restar deles aquela vaga impressão com que por vezes acordamos depois de termos sonhado. Seria essa a intenção do autor? Ignoro. Mas não me agrada por aí além.

Onde se vai rapidamente do meu pai ao destino do país

O meu pai morreu a 5 de março de 2011. Hoje é 15 de outubro de 2012. Entre uma data e outra dista um ano, sete meses e dez dias.

Hoje, recebi uma carta que lhe é dirigida. Vem do Ministério das Finanças ou, mais precisamente, de uma das suas direções-gerais. Contém o cartão de beneficiário da ADSE, passado ao titular.

E é basicamente por isto que estamos na situação em que estamos. Por causa da ineficiência. Por causa da mais pura incompetência. A começar, precisamente, no Ministério das Finanças.

E é basicamente por isso que este país só terá futuro com uma limpeza geral. A começar, precisamente, pelos ministérios. Ou seja: pelo governo. Pura e simplesmente não nos podemos dar ao luxo de continuar a tolerar tamanha incompetência.

domingo, 14 de outubro de 2012

Lido: Quando Vier a Revolução

Quando Vier a Revolução (bib.) é um convoluto conto curto de Bruce Holland Rogers sobre a atribulada vida de um certo Neal, ativista de várias causas. Não em simultâneo, entenda-se; ou pelo menos nem sempre. Neal, que começa por assaltar laboratórios para libertar os animais que neles são vítimas da crueldade humana só por amor passa a assaltar estábulos para massacrar os animais que neles vivem, numa inversão de cento e oitenta graus no ativismo e na mundovisão que este tem por trás. E essa reviravolta é apenas o começo; o pobre vai sofrer bastante (e fantasticamente) até ao fim do conto. Castigo pelo ativismo? Pela inconstância? Pela incoerência? Sim, provavelmente. Por tudo isso. Ou talvez não.

Trata-se, bem entendido, de um conto carregadinho de ironia, cujo verdadeiro alvo é a forma militante de estar no mundo. E trata-se de um belo conto. Mesmo que não se concorde com um certo elogio à indiferença e à inércia que nele está implícito, é impossível não sorrir perante o acertado retrato dos exageros que tantas vezes acompanham certas formas de intervenção veemente na sociedade.

Lido: História Trágico-Marítima

História Trágico-Marítima é outro poema satírico de Jorge de Sena, de novo muito bem escrito e de novo em confronto com atitudes de outros membros do mundinho literário do tempo. Imagino que, para quem conhece as histórias, os motivos, as personagens, este poema tenha todo o interesse e piada do mundo. Mas eu, confessando-me ignorante de tudo isso, não lhe encontrei nem interesse nem piada. Resta a literatura, que essa é boa.

Textos anteriores deste livro:

Lido: À Boleia Pela Galáxia

À Boleia Pela Galáxia (bib.) é um famoso pequeno romance de ficção científica humorística do inglês Douglas Adams. Contrariamente ao que é normal acontecer com os romances, e em especial os de ficção científica, a fama deste livro antecede o filme que o adapta, embora esta edição da Saída de Emergência seja contemporânea do filme, o que é vagamente sugerido pela capa. Mas este caso é ainda mais incomum do que isso porque a fama do livro antecede o próprio livro, e não é preciso ter-se em conta os efeitos de nenhum motor de improbabilidade para explicar o facto. É prosaicozinho. Invulgar, mas prosaicozinho. É que tudo isto começou no rádio, como um programa de comédia radiofónica emitido no final dos anos 70, que só mais tarde — mas não muito mais tarde — deu origem ao livro. Ou melhor, aos livros. Uma trilogia de cinco livros, como geralmente se lhe chama. Foi no rádio que começou a nascer este fenómeno de culto, que entretanto se transformou em fator de identificação e celebração da cultura geek por todo o mundo.

Mas antes de mais, uma promessa solene: prometo não fazer aqui nenhuma referência a toalhas.

Oh, esperem lá... Bolas!

Enfim, adiante. Para mim, esta foi uma releitura parcial. Tinha lido a maior parte do livro há anos largos, em inglês, e ainda me lembrava das cenas mais marcantes mas já me tinha esquecido dos detalhes. O problema, claro, é mais ou menos o mesmo que vai cair em cima de quem for ver o filme antes de ler o livro: muito do humor que ele contém, tão britânico como a parelha entre chapéus de chuva e de coco, depende da surpresa para ser eficaz. E quando esta não existe porque a memória do leitor tem registado o que se segue, a coisa perde potência. Ou por outra: não lhe achei tanta piada como da primeira vez.

Como não quero que os eremitas que ainda não tiverem ouvido falar de Douglas Adams e do Hitchhiker's Guide to the Galaxy (título original da coisa, para os mais distraídos entre esses eremitas) fiquem impotentes, não vou dizer quase nada sobre o enredo. Digo apenas que tudo começa quando o planeta Terra é demolido para abrir caminho a uma autoestrada espacial, levando consigo toda a gente menos um dos protagonistas, obviamente inglês e não tão obviamente chamado Arthur, que é levado para a galáxia por um amigo seu, extraterrestre. Não há cá homens de negro nem apagadores de memória, temos pena. Todos nós, mas em especial o próprio Arthur.

E o resto do livro é sobre as andanças deste Arthur e dos companheiros de viagem, enquanto vão a pouco e pouco e por puro acaso investigando as origens de tudo e tudo e tudo, como dizia a outra senhora. O leitor faça o obséquio de inserir aqui um número entre zero e cem. 42, por exemplo.

Uma coisa que me chamou a atenção nesta segunda leitura, e que não notei na primeira, foi as semelhanças que há entre as atmosferas do romance e da série Dr. Who. É provável que isso se deva a agora já ter visto alguns episódios da série, ao passo que aquando da primeira leitura ainda só a conhecia de nome, e vagamente. Seja como for, há semelhanças entre as duas coisas. Poder-se-ia achar que claro que há, meu palerma, então o Adams não trabalhou na série como argumentista? Pois trabalhou. E nos Monty Python. Oh, sim! Só que já havia Dr. Who mais de uma década antes de haver gente e não gente a andar à boleia pela galáxia, portanto se influências existem a setinha sai do Doctor para o Mr. Adams e não ao contrário. Bem, ao contrário também, mais tarde, fechando o círculo, mas vocês percebem o que eu quero dizer.

E também há semelhanças entre este livro e outra série televisiva, bastante mais chalada que o Dr. Who. Refiro-me a uma coprodução germano-canadiana chamada Lexx. Uma maluqueira pegada com estreia em 1997, portanto se houve aí influências foram certamente de sentido único.

Quanto à literatura propriamente dita, e à FC propriamente dita, enfim, não se pode dizer que quer uma quer outra tenham aqui um dos seus grandes representantes. O livro é divertido? É. O sorriso é mais ou menos constante, e há uma ou outra gargalhada, mesmo em releitura. Mas não tem nenhum brilhantismo especial enquanto ficção científica e não está lá muito bem escrito. Aliás, um dos seus maiores defeitos, se não for mesmo o maior, é literário, e prende-se com um certo caráter episódico e algo desconexo que terá sem dúvida sido herdado das origens radiofónicas da coisa. Mas a verdade é que nunca foi objetivo de Adams fazer grande FC ou grande literatura. O que ele queria era deixar os bifes bem dispostos. E nisso teve um sucesso maior do que estava à espera, pois aos bifes juntaram-se outros tipos de carne. Os tugas, por exemplo. Alguns tugas, vá. Os geeks. Nós.

Pessoalmente, não lhe peço mais.

Este livro foi comprado.

sábado, 13 de outubro de 2012

Lido: Noções de Linguística

Noções de Linguística é um pequeno poema satírico de Jorge de Sena que troça dos tiques linguísticos de um certo "poeta nortenho" não identificado. Pese embora a qualidade do texto — e outra coisa não seria de esperar em Sena — não me agradou por aí além. É um daqueles poemas que talvez tenham piada se se conhecer quem deles é alvo mas que, na ausência dessa informação — que não é fornecida — ficam assim um pouco sensaborões.

Texto anterior deste livro:

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Lido: O Dybbuk de Mazel Tov IV

O Dybbuk de Mazel Tov IV (bib.) é um mui judaico conto de Robert Silverberg que se insere algures na fronteira entre a ficção científica e o horror. Um pouco à semelhança da célebre (ou famigerada, dependendo do ponto de vista) space opera do Peter F. Hamilton, escrita muito mais tarde, o ambiente é um planeta distante colonizado por humanos, onde de súbito surge uma espécie de possessão por almas do outro mundo.

Este conto de Silverberg, contudo, é bastante diferente dos gigantescos romances de Hamilton nos detalhes. Aqui, tudo se passa entre judeus, após estes terem partido para as estrelas depois do derradeiro progrom ter acabado com o estado de Israel, levando consigo não só a sua religião e costumes ancestrais, mas também a sua história e as suas divergências internas. Particularmente a divergência básica entre o ramo laico do judaísmo e as suas correntes mais fundamentalistas, que vai ter impacto no enredo da história. Também diferente é o facto do planeta onde se situa a colónia (chamado pelos judeus Mazel Tov IV) possuir uma espécie inteligente autóctone, que aceita pacificamente a presença das pessoas. Ora, é precisamente uma criatura dessa espécie que é vítima da possessão pelo espírito de um dos homens, morto um ano antes. E estão lançadas as convolutas bases da história.

Não gostei muito. Porque a intenção principal de Silverberg parece ter sido entrar numa discussão teológica e ideológica interna à religião e ao povo judaicos sobre quem pode ser judeu e qual a melhor forma de o ser. E essa discussão não me diz nada, porque não pertenço ao povo, a religião não me interessa e não conheço os antecedentes da discussão. Por outras palavras: o conto é demasiado judaico para mim. Por conseguinte, pouco me interessou.

Contos anteriores deste livro:

Onde eu vou estar amanhã

Aqui.

Porque tem de ser. Simplesmente por isso. Porque. Tem. De. Ser. É uma obrigação de cidadania fazer tudo o que puder para impedir este roubo desmesurado. Tudo.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Lido: What it Comes Down To

What it Comes Down To é uma espécie de poema de David Lunde sobre a natureza do Universo. Com seis palavras.

Textos anteriores desta publicação:

Lido: A Viúva Ester

A Viúva Ester (bib.) é uma vinheta de António Barahona da Fonseca sobre uma mulher, a Viúva Ester, precisamente, que se vai isolando, fechando em si própria, até, segundo ela, morrer. Trata-se de fantástico; à moda de Todorov, porque fica a pairar a dúvida: terá a mulher morrido mesmo e será a história contada pelo seu fantasma? Ou será a afirmação da morte apenas uma figura de estilo, uma maneira de dizer que abandonou a sociedade, que para o mundo exterior é como se estivesse morta, apesar de biologicamente se manter viva? Ou serão essas duas opções apenas uma, na realidade? Trata-se de um conto bem escrito, como seria de esperar, e com o seu interesse, apesar de não me ter agradado assim muito. Não me parece ser dos melhores do livro, ainda que tampouco seja dos piores.

Lido: O Planeta Vermelho

O Planeta Vermelho (bib.) é um romance de ficção científica de Russ Winterbotham sobre uma expedição a Marte, a primeira. O enredo básico é o mesmo de tantas outras histórias de FC: junta-se um conjunto de pessoas, encerra-se essas pessoas numa nave espacial durante meses e envia-se tudo a Marte, para exploração presencial do planeta. Em 1962, ano em que o livro foi publicado na língua original (a edição portuguesa, com esta capa incaracteristicamente discreta para um livro de FC, é do ano seguinte), nem se sonhava o desenvolvimento que a computação, e por conseguinte a robótica, iria ter nas décadas seguintes, e era quase impensável enviar para o espaço máquinas suficientemente sofisticadas para fazerem essa exploração e reconhecimento sozinhas. Eram necessárias pessoas, e eram pessoas que as histórias de ficção científica enviavam.

Ou seja, quem lê hoje as velhas histórias de exploração planetária que abundaram na FC de um certo período não consegue evitar sorrir perante os anacronismos que saltam de cada página. O nosso presente, em tantas coisas inimaginável para os escritores de há cinquenta anos, está repleto de sondas automáticas que exploram os planetas por nós, por uma fração do preço que custaria o envio de gente (quando este é de todo possível, pois embora uma ida a Marte talvez já seja possível com a tecnologia atual, o mesmo não acontece com qualquer viagem que exceda essa distância e duração). O nosso presente que, para escritores como Winterbotham era um futuro ainda razoavelmente longínquo, ultrapassou esse futuro ao mesmo tempo que ficou aquém dele. E é por isso que, embora a FC seja sempre sobre a época em que é escrita, isso se torna especialmente patente quando as ideias que formam a sua camada superficial se tornam obsoletas.

É o caso deste livro.

Mas o livro poderia ter sido bastante interessante se visto sob esse prisma. Mais: Winterbotham consegue ser bastante correto na parte física e tecnológica da viagem que descreve. A propulsão da sua nave é iónica, a mesma que é realmente usada em sondas como a Dawn, que anda a investigar os planetas anões da cintura de asteróides; A nave em que a equipa é enviada para Marte é antecedida por outras naves não tripuladas, com uma carga de água, alimentos e outras coisas necessárias à permanência de gente no planeta, o que é, ainda, o esquema mais promissor para uma futura missão tripulada a Marte; O momento de partida e a duração da viagem dependem da posição relativa de Marte e da Terra, aproveitando as conjunções, tal como acontece com as missões verdadeiras; E etc. Na realidade, poucos são os detalhes de engenharia, da nave e da missão, em que Winterbotham falha, e sempre que isso acontece a falha é compreensível dada a menor informação que havia na época. Se o livro fosse só isso, seria exemplar enquanto FC.

Mesmo o Marte que nos é descrito era bastante plausível no quadro dos conhecimentos da época. O mesmo Marte de que Bradbury nos fala, um Marte seco mas vivo, com canais para aproveitamento da escassa água que se julgava existir à superfície. E uma biologia simples e bizarra, adaptada à escassez de água.

Onde o livro começa a perder o pé é na breve descrição dos marcianos que a expedição vai encontrar. Não que seja inteiramente impossível que uma espécie inteligente só veja através do radar... mas, convenhamos, a ideia é biologicamente tola. A energia que é gasta em sistemas sensoriais ativos, como o radar, é incomparavelmente superior à utilizada em sistemas passivos como os olhos. E a vida só desenvolve sistemas ativos quando os passivos não chegam — quando os animais são noturnos, como os morcegos, ou quando estão limitados pela turvidez da água, como os golfinhos — e quando o metabolismo gera energia suficiente. Não parece ser o caso dos marcianos de Winterbotham, e isso, que para muitos leitores poderá não ter grande importância, para este leitor de formação biológica tem.

Mas mesmo assim o livro poderia ter sido bom. Tem o que é necessário para uma FC de qualidade. A matéria-prima está lá.

Infelizmente, o que Winterbotham faz com essa matéria-prima é uma catástrofe. É que o enredo é em boa medida movido a interações humanas e estas são tão idióticas que estragam tudo. O que faz mover boa parte da trama são... ciúmes. Ciúmes causados por, imaginem, haver uma mulher na expedição. Onde já se viu, uma mulher numa expedição daquelas, não é? Claro que, para evitar problemas, essa mulher se casa com outro membro da expedição imediatamente antes da partida. Claro! Já é suficientemente terrível ser mulher, mas se fosse solteira então... nem se imaginam as desgraças que daí poderiam resultar. Há que casá-la, evidentemente, mesmo que o casamento não passe de fachada. Óbvio. Contudo, o mesmo cuidado, a mesma precaução, não se estendeu à escolha de um comandante que não fosse um sociopata ditatorial e assassino, uma espécie de Capitão Nemo desprovido da cultura e do carisma da personagem de Verne, nem a evitar que miudinhos imaturos e imberbes fossem também enviados para bem longe da Terra. Miudinhos imaturos e imberbes com uma certa tendência para se tornarem violadores.

Com toda esta idiotice humana a servir-lhe de motor, o enredo deste livro é igualmente idiota, e por mais sofisticados que sejam os aspetos científicos e técnicos do romance, não há salvação possível. Num género tão repleto de personagens unidimensionais, de papelão, é invulgar que uma história de FC falhe por ser impossível suspender a descrença relativamente às suas personagens, e no entanto é precisamente isso o que acontece aqui.

Por outro lado, lá está, a FC é sobre o tempo em que é escrita. Parte destas interações sociais, que hoje parecem completamente absurdas, faziam sentido entre os setores conservadores da sociedade americana do início dos anos 60. Há aqui algum retrato desses setores e desse tempo. Mas só algum. E não está, nem de perto nem de longe, suficientemente aprofundado para resgatar o livro. O livro é mau.

Este livro foi comprado em alfarrabista.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Lido: Invasões

Invasões (bib.) é um conto curto de Bruce Holland Rogers que, numa atmosfera heroica, descreve o que farão umas entidades nunca especificadas, simultaneamente protagonistas e narradoras, quando invadirem revolucionariamente várias facetas da realidade. E a subverterem, surrealizando-a. Trata-se de um continho muito poético e também muito irónico que pode ser encarado como simples brincadeira com as palavras, mas que também pode ser visto como comentário, um pouco sarcástico, um pouco cético, sobre a verdadeira natureza das coisas. Um continho muito forte, literariamente. E muito divertido de ler.

Ah, e tal, o nosso parlamento é grande demais

Diz-se por aí que ah, e tal, o nosso parlamento é grande demais. Que um país da nossa dimensão não deve ter tantos deputados. Que lá fora os parlamentos são mais pequenos. Que isto, que aquilo.

Muito bem, são afirmações legítimas caso sejam verdadeiras. Se forem falsas, são mentiras. Felizmente, também são afirmações verificáveis. Verifiquemos, pois.

Peguemos em todos os países do mundo com uma população semelhante à nossa e vejamos quantos parlamentares tem cada um. Decidamos que "população semelhante à nossa" significa qualquer coisa que, arredondada, dê entre 9 e 11 milhões de habitantes. E os resultados são os seguintes, do mais populoso deste grupo até ao menos populoso:

1 - Chade. 11 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 187 deputados.
2 - Cuba. 11 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 614 deputados.
3 - Bélgica. 11 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 221 deputados, 150 na Câmara dos Representantes e 71 no Senado.
4 - Guiné. 11 milhões de habitantes. Sob ditadura. Sem parlamento desde 2008.
5 - Grécia. 11 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 300 deputados.
6 - Ruanda. 11 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 106 deputados, 80 na Câmara dos Deputados e 26 no Senado.
7 - Tunísia. 11 milhões de habitantes. Em plena transição política. Assembleia constituinte com 217 deputados.
8 - Portugal. 11 milhões de habitantes (sim, passa os 10.5, arredondo para 11). Parlamento unicameral com 230 deputados.
9 - República Checa. 11 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 281 deputados, 200 na Câmara dos Deputados e 81 no Senado.
10 - Bolívia. 10 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 166 deputados, 130 na Câmara dos Deputados e 36 no Senado.
11 - Haiti. 10 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com 129 deputados, 99 na Câmara dos Deputados e 30 no Senado.
12 - Hungria. 10 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 386 deputados.
13 - Somália. 10 milhões de habitantes. Mergulhada no caos. Um "Parlamento Federal de Transição" com 550 deputados.
14 - Suécia. 10 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 349 deputados.
15 - Belorrússia. 9 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 174 deputados, 110 na Câmara dos Representantes e 64 no Conselho da República.
16 - República Dominicana. 9 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um total de 210 deputados, 178 na Câmara dos Deputados e 32 no Senado.
17 - Benim. 9 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 83 deputados.
18 - Azerbaijão. 9 milhões de habitantes. Parlamento unicameral com 125 deputados.
19 - Burundi. 9 milhões de habitantes. Parlamento bicameral com um número variável de deputados, entre 155 e 175, 118 a 121 na Assembleia Nacional e 37 a 54 no Senado.

Destes 19 países, excluamos as situações institucionalmente anormais: a Guiné, sem parlamento, a Tunísia, que o tem mas é constituinte, e a Somália, numa "transição" infindável. Sobram 16, com níveis de desenvolvimento e grau de democraticidade muito variável. Se os dividirmos em três grupos, entre os que têm significativamente mais parlamentares que nós, os que os têm significativamente menos e os que os têm mais ou menos em igual número (uso o número dos nossos parlamentares mais ou menos 10%, ou seja, entre os 207 e os 253), esses grupos são os seguintes:

Com mais deputados que Portugal: 5 países. Cuba, Grécia, República Checa, Hungria, Suécia. Todos, à exceção de Cuba, países membros da UE, logo democracias consolidadas e desenvolvidas. A Suécia é, aliás, comummente apontada como O exemplo a seguir por excelência.

Com mais ou menos os mesmos deputados que Portugal: 3 países. Bélgica, Portugal, República Dominicana. Dois membros da UE e um dos países mais estáveis da América Latina.

Com menos deputados que Portugal: 8 países. Chade, Ruanda, Bolívia, Haiti, Belorússia, Benim, Azerbaijão, Burundi. É metade da lista, é certo, mas não se inclui entre estes um único país desenvolvido. Temos ditaduras europeias (Belorússia, Azerbaijão), dos países mais pobres das Américas (Bolívia, Haiti), e países africanos, com problemas gravíssimos de violência e pobreza.

Ou seja, para países da dimensão do nosso parlamentos menores que o que nós temos são sinónimos de subdesenvolvimento. Entre os países desenvolvidos, o único que tem menos parlamentares que nós é a Bélgica, e a diferença é quase irrelevante: são apenas 9 deputados a menos. Por contraste, a Suécia tem mais 119. A mesma Suécia que tem menos 1 milhão de habitantes que nós. E que está bem acima de nós em quase todos os índices de desenvolvimento.

Portanto sim, quem fala como no início deste texto se cita tem toda a razão... caso esteja a comparar Portugal com o Haiti.

Se não querem pôr Portugal e o Haiti ao mesmo nível, contudo, se calhar é melhor pararem de dizer disparates.

sábado, 6 de outubro de 2012

Zandingando

Em ciência, a credibilidade de uma teoria afere-se com a qualidade das suas previsões. Teoria que faça previsões acertadas ganha credibilidade, teoria que as faça erradas perde-a.

Seria bom que o mesmo acontecesse com quem fala de política, quer esteja dentro, quer esteja fora da chamada "classe política". Para ser inteiramente justo, tenho de reconhecer que isso por vezes até acontece; a credibilidade de Vítor Gaspar, por exemplo, está abaixo de zero em parte por ter falhado todas as previsões que fez até agora. Mas mesmo assim acho pouco. Devia acontecer mais vezes, e com mais gente.

Pois bem. Vou correr um risco e fazer uma previsão. O risco não é grande; a minha crebilidade política não é quase nenhuma, portanto não há grande coisa a perder. Mas mesmo assim, cá vai.

Olhando para o momento em que aparece o PS a fazer a proposta da redução no número de deputados, prevejo que as próximas sondagens a aparecer por aí vão dizer que os partidos da esquerda estão a subir muito. E que o PS cai a pique, tal como o PSD. Ou pelo menos que cai.

E agora fico à espera. Nem sempre tenho razão, mas desconfio que desta vez vou tê-la.

E a primeira consequência de reduzir o número de deputados é...

Já agora, sabem qual é a primeira consequência de reduzir o número de deputados?

Não, pois não?

Eu percebo. Para saber é preciso fazer contas, e isso dá trabalho. É muito mais fácil mandar umas bocas que "soam bem" sem gastar muito miolo a pensar no que elas realmente querem dizer. Felizmente, eu já fiz essas contas quando andei a pensar em que espécie de sistema eleitoral poderia melhorar a representatividade das correntes políticas na sociedade portuguesa. Estão aqui, no meio de todo aquele palavreado.

Refere-se aquele post aos resultados eleitorais de 2009, eleições que foram ganhas, como se sabe, pelo PS. Segundo o sistema eleitoral que eu proponho, 115 dos 230 deputados seriam eleitos nos círculos, como atualmente, e eu fiz as contas a quantos seriam eleitos assim. Em resumo, os números que aí apresento são os seguintes:

Nos votos, nessas eleições, o PS conseguiu 37,7% dos votos válidos e não brancos, o PSD 30%, o CDS 10,8%, o BE 10,2%, a CDU 8,1%, o MRPP 1,0% e o MEP 0,4%. Se o sistema fosse realmente proporcional (ou com o meu sistema, vá), todas estas forças políticas teriam eleito pelo menos um deputado.

Mas com o nosso sistema as percentagens de deputados realmente eleitos foram bem diferentes. Para o PS foram 42,2% dos deputados, para o PSD 35,2%, para o CDS 9,1%, para o BE 7,0%, para a CDU 6,5% e para o MRPP e o MEP 0%. Os dois partidos mais votados francamente beneficiados, todos os outros francamente prejudicados. Os dois partidos mais votados tiveram 77,4% dos deputados contra apenas 67,7% dos votos; os outros três que elegeram alguém ficaram com 22,6% dos deputados contra 29,1% do voto popular.

Percebem a distorção?

E querem saber como ficariam as coisas com os 115 deputados?

Ficariam 46,1% para o PS (!!!), 33,0% para o PSD, 7,8% para o CDS, 7,0% para o BE e 6,1% para a CDU. Os dois partidos mais votados ficariam agora com 79.1% do parlamento (relembro: o voto do povo deu-lhes 67,7%; é uma diferença enorme), os outros com 20.9. Ou seja: a distorção da vontade do povo aumenta, beneficiando os dois partidos mais votados. O valor concreto da distorção variaria consoante os resultados eleitorais, mas menos deputados implica sempre maior distorção. E sempre para benefício dos dois partidos mais votados, embora, como aqui acontece, possa dar-se o caso de um deles ser muito mais beneficiado do que o outro.

Eis a primeira consequência de reduzir o número de deputados: menos democracia, mais distorção da vontade do povo, mais centrão e menos alternativa.

Com o meu sistema até se podia reduzir o número de deputados sem este tipo de violação grosseira da vontade do povo, porque o número total de deputados seria calculado com base num único círculo nacional. Mas assim?!

Pois assim, meus caros, não surpreende que propostas destas venham precisamente do PS. Ou do PSD, que também já propôs coisas parecidas. Porque estes partidos, tão democráticos que eles são, coitadinhos, não hesitam em procurar garantir através de truques maiorias parlamentares que o povo não lhes quer dar.

E esse é mais um motivo para não votarem neste tipo de aldrabões. Nunca mais. É urgente limpar a política portuguesa deste tipo de baixaria. É urgente exigir um mínimo de ética a esta canalha.

Ur-ge-nte.

Da série "Coisas que me enchem de refluxo estomacal": redução no número de deputados

Andam aí agora uns tipos, incluindo, ao que parece, aquela muito medíocre figurinha que ocupa o lugar de secretário-geral do PS, a querer reduzir o número de deputados. A ideia, aparentemente, é que os deputados gastam muito e fazem pouco. Que a democracia é cara. Que Portugal não se pode dar ao luxo de ter tantos "chulos".

Eu até concordo que Portugal não se pode dar ao luxo de ter tantos chulos. Mas enche-me de ânsias de vómito que, entre todos os chulos possíveis, a sanha persecutória caia precisamente em cima daqueles pseudo-chulos que eu sei quem são porque ajudei a eleger enquanto membro de um povo. Mesmo que, na verdade, só tenha ajudado mesmo a eleger um deles, a Cecília Honório, e não esteja nada arrependido do meu voto. Mesmo que ache muitos dos outros deputados que lá estão uns nabos e uns aldrabões do piorio. Mesmo assim, causa-me uma violenta repugnância esta sanha.

Porque há milhares de pessoas a viver à conta do Estado, milhares de pessoas de que nunca ninguém fala, muitos deles verdadeiros parasitas que não fazem nada. Por que carga de água vão apontar os canhões precisamente aos representantes da democracia? Não acham isso um tudo-nada... enfim... fascista?

É que ainda por cima os outros gajos são caros. E, pior, ninguém parece saber lá muito bem quanto ganham. Ao passo que um deputado sabe-se. Está aqui, é público. Um deputado sem cargos adicionais, em regime de exclusividade, recebe 3600 euros mensais. Que é mais ou menos o que ganham certos motoristas contratados por este governo. Ao passo que o dinheiro que figurões como o António Borges metem ao bolso está no segredo dos deuses, se bem que haja quem diga que ronda os 25000 euros por mês.

Sim, leram bem. Um António Borges, que ninguém elegeu para coisíssima nenhuma, que insulta a torto e a direito, que é um perfeito imbecil, bem pior que a maioria dos deputados eleitos para a AR, "vale", financeiramente, mais de nove deputados.

E no entanto, ninguém parece muito preocupado em reduzir o número destas sanguessugas. Que são muito mais que os 230 deputados.

O que vos quero perguntar, meus caros reducionistas parlamentares, com toda a frontalidade, é: isso é tudo estupidez, ou tem algum objetivo inconfessável por trás? Hm?

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Improbabilidades de Verão

Já que divulguei por uma série de outros sítios, não custa nada divulgar também aqui. Publiquei, através do Infinitamente Improvável, a compilação Improbabilidades de Verão 2012, que reúne em ebook (formatos MOBI e EPUB) os contos publicados durante os meses de verão no zine. Para quem não conhece a ideia, trata-se de contos com um tema comum: aquilo que é infinitamente improvável. Ou, por outras palavras, o impossível. Algo assim.

Os treze contos incluídos nesta primeira compilação — sim, que a ideia é fazer uma destas compilações por trimestre, desde que haja textos para tal — têm uma pegada insólita, surrealista e de humor razoavelmente forte, embora sejam bastante mais variados do que isto poderá levar a crer. Há dois ou três que estão bem perto (ou bem dentro) da ficção científica, há pelo menos um que é realismo mágico quase puro, há outros dois ou três de horror, etc.

A ideia de fazer esta que é, na prática, uma pequena antologia, surgiu por eu ter constatado que os kindles — e provavelmente outros tablets também — não lidavam lá muito bem com os textos conforme se apresentavam no blogue. E como otimizá-los um a um, criando um ebook para cada conto, era impraticável devido ao trabalho que isso dava e à existência de alguns contos muito curtos, acabei por decidir que o melhor era juntá-los de três em três meses, arranjar uma capa minimamente catita, e resolver assim o problema.

A proposta do site é publicar um conto por semana, mais coisa menos coisa. Se for cumprida, o que depende de mim e do material que me for enviado, dá para editar um ebookzito destes a cada três meses com cerca de doze contos lá dentro. Este primeiro, se fosse um livro físico, teria umas 70 páginas. Já são umas horinhas de leitura. E o melhor é ser inteiramente "grátes"!

Quem quiser obter o ebook pode encontrá-lo aqui. Este e os mais que se venham a publicar no futuro.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

E o lixo continua a vir à tona

Mais declarações imbecis de responsáveis do PS a assacar responsabilidades pelo lamentável estado a que chegámos a quem se limitou a ser coerente com as suas ideias. Num momento em que o fundamental era saber ouvir o grito de BASTA dum povo inteiro e arranjar uma alternativa a esta desgraça, num momento em que o fundamental era reconhecer os erros cometidos e mudar de rumo, que faz a porcaria da direção do PS? Afia as garras contra a esquerda. Num momento em que era imprescindível termos responsáveis, temos garotelhos irresponsáveis, incapazes de reconhecer as asneiras que fizeram. Num momento em que devíamos ter gente preocupada com o que é possível fazer para nos tirar do buraco, só temos alarves cujo único interesse é sacudir as responsabilidades para cima dos outros. E o pior é não se ouvir uma voz naquele partido a denunciar esta idiotice, a demarcar-se destas atitudes. Nem uma. Decididamente, o PS também não é reformável.

E está tudo dito. Esta gente é um nojo. Não é possível contar com o PS para nada, a não ser andar de mãos dadas com o PSD e o CDS para destruir Portugal.

Observem, aprendam. E da próxima votem noutra gente. Que esta é um desastre.