A antologia é em geral muito boa. Inclui várias daquelas obras a que se costuma conceder o epíteto de incontornáveis; obras cujo desconhecimento implica a impossibilidade de se dizer com propriedade que se conhece fantástico português. Também inclui, é certo, obras que me pareceram menos bem conseguidas, e nem sempre se trata apenas de gosto pessoal, ainda que na maior parte dos casos o seja. Mas isso é inerente às antologias, ou na verdade a qualquer compilação de textos díspares: há sempre uns melhores e outros piores. Mas não só os melhores, pela sua qualidade e proporção, fazem com que a antologia seja muito boa, como a o todo é superior à soma das partes porque mesmo os piores contos ensinam alguma coisa sobre o que foi a produção fantástica portuguesa no período abrangido pela antologia. Este parece-me ser, realmente, um retrato fiel do fantástico português tal como era até ao início da década de 1970. Por outras palavras: até ao fim da ditadura. Mas não do fantástico português, ponto. Não do fantástico português que incluísse obras mais recentes.
E isso foi algo em que não consegui deixar de pensar ao ler as muitas páginas deste livro. Nas diferenças entre o antes e o agora, nos caminhos divergentes que a nossa tradição fantástica foi seguindo nas últimas décadas (tantas vezes através da pura e simples ignorância dessa tradição), tanto através de uma tradição de ficção científica que, ainda que frágil, tem mesmo assim alguma solidez e continuidade desde os anos 80, como através da recente enxurrada de fantasia que segue modelos importados da tradição anglo-saxónica (da qual existem, todavia, antecedentes na literatura portuguesa novecentista, o que é em si mesmo muito interessante), como através de outras formas mais próximas do espírito da maior parte dos textos presentes neste livro, mas incorporando novas abordagens e novos temas. E novos estilos também. E também algo que quase não existia antes: autores especializados em fantástico.
Talvez me engane, mas parece-me que o conto fantástico português, ou o fantástico português em geral, seja em conto ou em romance, mudou mais nos últimos trinta anos do que ao longo do período abrangido por esta antologia. E mudou de formas contraditórias. Se por um lado a sua literariedade tem sofrido, e a maior parte da produção é hoje bastante pior trabalhada, no que diz respeito aos aspetos puramente textuais da criação literária — e isto apesar de Saramago — por outro a qualidade conceptual e a sofisticação das ideias e dos enredos parece-me ser hoje superior ao que historicamente tem sido. Isto, claro, partindo do princípio de que o que se lê nestas páginas é representativo do que de melhor foi produzido durante os cento e tal anos que estas obras englobam. Não posso afirmar que seja; vários dos autores aqui presentes li aqui pela primeira vez, e de outros tinha lido apenas literatura realista, tendo-me passado ao lado a sua produção fantástica (até porque esta é geralmente vista como menor, especialmente no que toca aos contos). E houve vários que me despertaram curiosidade pelo resto da sua obra, o que é uma das grandes vantagens que têm as antologias sobre outros tipos de publicação. Especialmente quando são boas antologias, como é o caso.
Querem saber quais? Ficam com uma ideia lendo o que achei de cada um dos contos:
- A Dama Pé-de-Cabra
- A Torre de Caim
- Uma Récita do Roberto do Diabo
- O Canto da Sereia
- A Igreja Profanada
- A Torre Derrocada
- O Véu
- Os Canibais
- O Defunto
- Sede de Sangue
- A Princesinha das Rosas
- O Mistério da Árvore
- A Reencarnação Deliciosa
- A Estranha Morte do Professor Antena
- O Cágado
- O Senhor dos Navegantes
- A Princesa nº 46734
- Regresso à Cúpula da Pena
- O Caminho
- O Anjo
- A Noite de Walpurgis
- Ritinha
- O Físico Prodigioso
- O Aplaudido Dramaturgo Curado Pelas Pílulas Pink
- FC, o Banho e Não Só
- Trânsito
- A Maravilhosa História do Internamento
- Nem Tudo é História
- No Restaurante
- Teorema
- O Elephans-Pinguim
- O Cavalo Branco
- O Homem das Batalhas
- A Viúva Ester
- Peregrinação
Tenho este livro, foi nele que descobri a obra de Jorge de Sena. Não posso dizer que gostei de todos os contos, mas alguns são surpreendentes de tão bons.
ResponderEliminarSim, eu também não gostei de todos os contos. Houve mesmo uns quantos que achei francamente maus. Mas outros são magníficos. A novela do Jorge de Sena, por exemplo.
ResponderEliminarCuriosamente "a novela" não aparece referenciada na lista acima publicada.
ResponderEliminarO anónimo está a ver mal. A novela de Jorge de Sena está entre "Ritinha" e "O Aplaudido Dramaturgo Curado Pelas Pílulas Pink".
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